Bruxelas quer limitar actividade dos bancos "grandes demais para falir"

Propostas apresentadas pelo comissário Michel Barnier recolheu críticas de sectores diversos

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Proposta do comissário gerou coro de críticas GEORGES GOBET/afp

Depois de longos meses de intenso lobbying por parte do sector financeiro, a Comissão Europeia tornou finalmente pública nesta quarta-feira uma muito esperada proposta de reforma da estrutura dos grandes bancos destinada a limitar severamente as suas actividades especulativas.

A proposta não chega a impôr uma separação pura e simples entre a actividade tradicional – depósitos e empréstimos – e a banca de investimento, mas proíbe os cerca de 30 maiores bancos da União Europeia (UE) de proceder a actividades especulativas por conta própria (o chamado proprietary trading), ou seja, unicamente destinadas a aumentar os lucros e sem qualquer benefício para os clientes ou para a economia real. Esta definição inclui a especulação sobre matérias primas, a titularização (transformação de créditos em produtos financeiros para venda) e os produtos derivados complexos, entre outros.

Bruxelas propõe igualmente que os bancos só poderão realizar operações especulativas se o fizerem em nome dos seus clientes, embora nestes casos os supervisores financeiros tenham de ter "a autoridade e os meios" para impôr a deslocação destas actividades para uma filial criada expressamente para o efeito e separada da sede, afirmou Michel Barnier, comissário europeu responsável pelos serviços financeiros e autor da reforma.

Estas medidas visam os bancos "grandes demais para falir, custosos demais para salvar e complexos demais para resolver" (liquidar), e que, por essas razões, podem pôr em risco a totalidade do sector financeiro. Em concreto, esta definição engloba os bancos considerados de "importância sistémica global", com mais de 30 mil milhões de euros de activos e ou actividades de mercado superiores a 70 mil milhões ou 10% dos activos totais. Esta definição inclui, nomeadamente, os bancos franceses BNP Paribas e Société Générale e o alemão Deutsche Bank.

A proposta de Barnier, que segue os passos da reforma acordada nos Estados Unidos, ficou aquém das recomendações de um grupo de peritos chefiado pelo governador do banco da Finlândia, Erkii Liikanen, que preconizara uma separação pura e simples entre as actividades tradicionais dos bancos e os investimentos.

Mesmo assim, a França e a Alemanha, que já legislaram internamente na matéria, dispararam furiosas críticas contra a proposta de Barnier, considerando que vai longe demais. As críticas dirigem-se sobretudo à proibição das operações especulativas por conta própria, que a legislação dos dois países não contempla. Paris e Berlim protestam igualmente contra o facto de Barnier isentar o Reino Unido, o que o comissário justificou com o facto de a lei britânica ser mais ambiciosa do que a sua proposta ao separar de forma estrita as actividades tradicionais e de mercado.

A Federação Europeia de Bancos também se manifestou "profundamente preocupada", afirmando que a proposta terá "um impacto negativo na liquidez dos mercados financeiros" e resultará num aumento dos custos para as empresas.

Barnier rejeitou as críticas: "Tenho ouvido muito dizer que esta proposta poderá fragilizar a competitividade do sector bancário europeu e da economia real mas não é o caso", afirmou, considerando que o que fragilizou a confiança e o crescimento económico "não foi o excesso de regras mas a especulação, a opacidade de certas transacções e o risco de falência desordenada que se pede ao contribuinte para pagar, sem falar de um certo número de manipulações".

Os países da UE gastaram 1,6 biliões (milhões de milhões) de euros para salvar a banca desde a crise financeira de 2008, o que equivale a 13% do PIB da UE, lembrou o comissário.

A proposta foi igualmente criticada por vários grupos políticos no Parlamento Europeu, embora pelas razões opostas. A nova reforma "vem tarde demais e oferece muito pouco", afirmou o líder do grupo socialista (o segundo maior) Hannes Swoboda. "Os Estados membros têm agido sozinhos na reforma dos seus sectores bancários, aplicando as suas regras, e agora dizem 'não obrigado' à Comissão", acusou. Segundo Swoboda, ainda, o facto de Bruxelas limitar a proposta aos bancos "grandes demais para falir" significa que "os bancos mais pequenos, que representam 99% do sector, podem continuar a jogar com o dinheiro dos seus clientes".

A nova proposta constitui a última pedra de uma vasta reforma do sector financeiro, composta por mais de 30 textos legislativos apresentados por Bruxelas no rescaldo da crise financeira, mas só poderá ser apreciada pelo Parlamento Europeu na próxima legislatura que arrancará em Julho.

 
 
 

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