Os Daft Punk foram os vencedores dos Grammys (mas é de casamentos que vamos falar)

Franceses foram as estrelas da noite em cerimónia marcada por casamento de mais de 30 casais homossexuais e heterossexuais ao som de Macklemore & Ryan Lewis.

Os franceses Daft Punk foram as estrelas da noite nos prémios da indústria discográfica americana ao levarem para casa não só o Grammy mais desejado – o de Álbum do Ano, com Random Access Memories –, como também mais quatro troféus para os quais estavam nomeados. O grupo de música electrónica conseguiu vencer nas categorias de Melhor Gravação do Ano, com Get lucky, Melhor Actuação Pop em Duo ou Grupo, também com Get lucky, e Melhor Disco de Música Electrónica ou Dança, com Random Access Memories. O álbum dos franceses foi ainda reconhecido na categoria de Melhor Engenharia, mas o prémio foi para os técnicos, não para os artistas.

Nesta 56.ª edição, no Staples Center, na Califórnia, Estados Unidos, pelo Álbum do Ano lutavam, ainda, The Blessed Unrest, de Sara Bareilles, Good Kid, M.A.A.D City, de Kendrick Lamar, The Heist, de Macklemore & Ryan Lewis, e Red, de Taylor Swift.

Já na Gravação do Ano, outra das categorias mais nobres, os Daft Punk conseguiram destronar Radioactive, dos Imagine Dragons, Royals, de Lorde, Locked out of heaven, de Bruno Mars, e Blurred lines, de Robin Thicke, com a participação de T.I. e Pharrell Williams.

A cantora neozelandesa Lorde foi, contudo, outra das grandes vencedoras desta edição, com os prémios de Melhor Canção do Ano por Royals, e de Melhor Actuação Pop a Solo, com o mesmo tema. A Melhor Canção distingue os compositores e não necessariamente os intérpretes e estavam nomeados Just give me a reason (interpretada por Pink), Locked out of heaven (Bruno Mars), Roar (Katy Perry) e Same love (Macklemore & Ryan Lewis).

Maria João Pires não venceu no ano dos Daft Punk
Depois de surgir na lista de nomeados em 2009, Maria João Pires voltava a integrar os Grammys deste ano na categoria de Melhor Intérprete a Solo. A nomeação surgiu devido ao álbum Schubert: Piano Sonatas D 845 & D 960, editado em Fevereiro pela Deutsche Grammophon e que integra as sonatas 16 em Lá menor e 21 em Si bemol maior do compositor austríaco. Porém, o galardão acabou por ir para Corigliano: Conjurer – Concerto Para Percussionista e Orquestra de Cordas.

O regresso dos Daft Punk em 2013 foi cuidadosamente preparado. Foram do secretismo à exposição total (ou quase, que os capacetes mantiveram-se inamovíveis nas cabeças do duo francês) numa campanha mediática que, alicerçada no sucesso imediato da omipresente Get lucky, teve o seu corolário final na noite de domingo, em Los Angeles.

Mas os Grammys são há vários anos mais do que um desfile de vencedores e perdedores. A cerimónia de entrega dos prémios da indústria discográfica americana é, antes de tudo o resto, um espectáculo televisivo que tenta hoje concorrer com os concursos de caça talentos, como X Factor ou American Idol, que a ultrapassam largamente em audiência. Assim sendo, se a edição 2014 dos prémios preservará para a história, por exemplo, a vitória de Lorde, a neozelandesa de 17 anos que irrompeu pelo cenário musical com a segunda canção omnipresente de 2013, Royals (tornou-se a terceira mais jovem de sempre a vencer um Grammy), a discussão nos próximos dias centrar-se-á em Macklemore & Ryan Lewis.

A dupla de rap que se tornou um fenómeno no cenário pop levou para casa quatro prémios (Melhor Novo Artista, Melhor Álbum Rap para The Heist, Melhor Performance Rap e Melhor Canção Rap para Thrift shop). Pouco importante, porém, perante a assinatura do momento que extravasou a habitual auto celebração da indústria, sem controvérsias e com muito discurso de auto-motivação (“esta é a maior noite da música porque é antes de mais, e acima de tudo, uma verdadeira celebração do poder da música para nos comover, inspirar e surpreender”, introduziu LL Cool J no seu terceiro ano enquanto apresentador dos Grammy).

Macklemore e Ryan Lewis interpretaram a sua Same love, transformado em hino dos activistas pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, com a vocalista responsável pelo refrão da canção, Mary Lambert. Fizeram-no enquanto, num cenário criado para se assemelhar ao interior de uma igreja, 33 casais, gay e heterossexuais, eram casados pela actriz e rapper Queen Latifah (que obteve do Estado da Califórnia a autorização para celebrar casamentos). Tiveram, como não podia deixar de ser, Madonna a dar a sua aprovação: surgiu em palco para acompanhar Macklemore & Ryan Lewis, cantando a sua Open your heart.

No Nokia Theater, em Los Angeles, os aplausos foram unânimes entre a assistência e as câmaras até fixaram um lacrimejante Keith Urban. Em casa, como relatava ao site da conservadora Fox News, as reacções dividiam-se: “Tão bonito, tão orgulhoso dos casais que não têm medo de se casar com quem quiserem”, escrevia um espectador no Twitter; “propaganda!”, “anticristão”, “parem de enfiar a vossa agenda esquerdista pela minha garganta abaixo”, criticavam outros. Antes da cerimónia, Neil Portnow, presidente da National Academy of Recording Arts and Sciences, declarava à imprensa: “Espero que pessoas com todo o tipo de opiniões possam expressá-las, isso é saudável.” A discussão prosseguirá nos próximos dias.

A reunião dos Beatles e a zanga de Trent Reznor

Quanto ao resto da cerimónia, tivemos a esperada reunião de Paul McCartney e Ringo Starr, juntos em palco (com um segundo baterista a apoiar) para interpretar Queenie eye, single do último álbum de Macca, New, em celebração dos 50 anos da aparição histórica dos Beatles no Ed Sullivan Show, que lhes escancarou as portas da América – e coube a um Ozzy Osborne balbuciante e algo incoerente, e também vencedor, com os seus Black Sabbath, do Grammy de Melhor Performance Hard Rock/Metal, por God is dead?, apresentar Ringo, que actuou a solo antes de se reunir a McCartney. Directamente de Los Angeles, vimos Jared Leto homenagear Lou Reed, uma das lendas do rock desaparecidas em 2013, antes de os americanos Metallica se juntarem ao pianista clássico chinês Lang Lang para interpretar um clássico da banda de thrash metal, One. Vimos, para abertura da cerimónia, Beyoncé, provavelmente o maior nome da indústria musical, em dueto com uma cadeira (e com o marido Jay-Z) na interpretação de Drunk in love.

Numa cerimónia que contou com os esperados duetos inesperados (Robin Thicke, o do escândalo twerking com Miley Cyrus, juntar-se aos veteranos Chicago, ou o rapper Kendrick Lamar com a banda Imagine Dragons), destaca-se o Get lucky que juntou os Daft Punk e os seus colaboradores nessa canção, como o guitarrista Nile Rodgers, Pharrel Williams (cujo chapéu sobredimensionado foi também uma figura de destaque da cerimónia) e os históricos músicos de sessão que participaram em Random Access Memories, à lenda da soul Stevie Wonder – uma parelha que pôs todo o auditório de estrelas, incluindo dois Beatles e a viúva de um terceiro, Yoko Ono, a dançar de pé.

Os Daft Punk foram, então, vencedores em número de prémios e vencedores em presença em palco. Foram também, os mais silenciosos vencedores da história dos Grammys. Não, não retiraram os famosos capacetes e não, não falaram. Outros, como Pharrell Williams, falaram por eles: “Acho que os robots querem agradecer”, disse o cantor antes de afirmar uma convicção: “Sabem, honestamente, aposto que a França estará muito orgulhosa desde tipos neste preciso momento.” E estará, certamente. Tal como a Nova Zelândia estará da sua Lorde, a cantora que se afirmou a contracorrente do espalhafato de uma Miley Cyrus (Royals, de resto, é um comentário aos excessos daquele tipo de mediatismo) mas que, curiosamente, agradeceu a inspiração dada pelos seus concorrentes na categoria de Melhor Performance Pop a Solo: Sara Bareilles, Bruno Mars, Justin Timberlake e Katy Perry.

O final da cerimónia chegaria em modo muito rock’n’roll, com uma superbanda que reuniu os Queens of the Stone Age a Trent Reznor, aos Foo Fighters e a Lidnsey Buckingham, guitarrista dos Fleetwood Mac. Imaginamos que Dave Grohl, no papel de baterista, estaria muito feliz. Não só ganhara um Grammy de Melhor Banda Sonora por Cut me some slack, a canção gravada com Paul McCartney e com os Nirvana sobreviventes (Grohl, Novoselic e Pat Smear) para o documentário Sound City, como vira alguns dos seus heróis, como os Black Sabbath e os Led Zeppelin (é verdade, os veteranos ganharam o Grammy para Melhor Álbum Rock pelo disco ao vivo Celebration day), distinguidos naquela noite. Alguém, porém, não estava feliz. Devido ao prolongar da cerimónia além do previsto, a reunião rockeira preparada para o encerramento da cerimónia não foi transmitida na totalidade.

Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, estava furioso: “Fucky you”, lançou aos Grammys via Twitter. Se esta é a cerimónia de celebração da indústria, então o círculo completou-se: houve espectáculo para brilhar na televisão, honrou-se a história e deu-se destaque ao presente mediático. No fim, um velho rocker mostrou a sua irreverência com um insulto muito antigo no muito moderno Twitter. 

Lista dos vencedores nas principais categorias:

Disco do Ano (para intérpretes)


Get lucky, Daft Punk & Pharrell Williams

Álbum do Ano:

– Random Access Memories, Daft Punk

Canção do Ano (autores compositores):

– Royals, Joel Little & Ella Yelich O'Connor

Artista Revelação do Ano:

– Macklemore & Ryan Lewis

Artista pop:
Royals, Lorde

Álbum pop:

– Unorthodox Jukebox, Bruno Mars

Álbum rock:

– Celebration Day, Led Zeppelin

Álbum Rap:

– The Heist, Macklemore & Ryan Lewis

Álbum Dança:

Electrónica

– Random Access Memories, Daft Punk

Álbum Country:

– Same Trailer Different Park, Kacey Musgraves
 
 
 
 
 
 
 

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