Em Outubro, vá ao Parlamento mostrar as recordações do avô que combateu na primeira guerra

Portugueses desafiados a mostrar no Parlamento memorabilia de familiares envolvidos na guerra.

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Soldado português numa trincheira em França, num posto telefónico na 1.ª linha DR

Nos dias 16, 17 e 18 de Outubro, os portugueses que guardam memórias de parentes que combateram na I Guerra Mundial serão convidados a ir à Assembleia da República mostrar essas relíquias familiares — postais, cartas, fotografias, medalhas, capacetes, mapas, diários, fardas, objectos do quotidiano — e contar as histórias que lhe estão associadas. Com organização do Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em conjunto com o Parlamento, esta espécie de collection day, no qual irão ainda colaborar várias outras instituições, promete ser um dos acontecimentos mais mediáticos deste primeiro ano de evocação da guerra de 1914-1918.

“Teremos gente preparada para entrevistar as pessoas e recolher as suas memórias”, explica a presidente do IHC, a historiadora Fernanda Rollo, e os objectos serão reproduzidos, ficando as pessoas com os originais, a menos que queiram doá-los.    

Esta e outras iniciativas da sociedade civil irão complementar, para dizer o mínimo, o programa oficial que está a ser desenhado pela Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial, nomeada em 2012 pelo ministro da Defesa, José Pedro Aguiar Branco, e presidida pelo tenente general Mário de Oliveira Cardoso. A designação “evocações” não foi escolhida por acaso: “Não queremos comemorar nem celebrar nada, o que procuramos é evocar uma memória colectiva e valorizar o sacrifício dos soldados portugueses”, diz o presidente da Comissão, que integra representantes dos diferentes ramos das Forças Armadas, e ainda da Liga dos Combatentes e da Comissão Portuguesa de História Militar.

Alguns dos países que integraram as potências vitoriosas em 1918, como a França e a Inglaterra, estão a investir fortemente nestas comemorações, tanto ao nível simbólico como financeiro. Não é manifestamente o caso de Portugal, quer pelas limitações que a crise impõe, quer talvez pela consciência de que, mesmo estando do lado dos vencedores, o país teve muito pouco a ganhar com este conflito, que mobilizou mais de cem mil soldados portugueses, dos quais 7760 perderam a vida e cerca de 16 mil sofreram ferimentos, e ainda outros foram feitos prisioneiros ou desapareceram.

Oliveira Cardoso diz ter já um orçamento indicativo para os cinco anos que durará este programa, até 2018, e um orçamento para este ano de 2014 “adequado às actividades” programadas, mas prefere não adiantar números. As iniciativas previstas incluem alguns momentos mais institucionais, como as comemorações do dia do combatente, a 9 de Abril, no mosteiro da Batalha, ou a homenagem nacional aos mortos da guerra, a 18 de Outubro, que incluirá o descerramento simultâneo de placas alusivas em todas as capitais de distrito, ou ainda a celebração do armistício, que a Liga dos Combatentes organizará em Novembro no Forte do Bom Sucesso, em Belém.

Mas o grande objectivo da comissão, afirma o seu presidente, é estudar e divulgar a presença portuguesa na guerra, quer através de conferências e colóquios, quer apoiando projectos de investigação. Oliveira Cardoso sublinha em especial a importância da pouco estudada primeira fase da participação de Portugal na guerra, com o envio para África, logo em 1914, de tropas encarregadas de defender as colónias ameaçadas pela Alemanha, em particular Moçambique. “Houve mais mortos em África do que na Flandres”, nota o militar.

Além de iniciativas mais circunscritas ao mundo militar, divulgadas no portal “http://www.portugalgrandeguerra.defesa.pt” — que em breve disporá de um memorial virtual com os soldados portugueses mortos no conflito —, “a comissão tem já previsto, para o início de Setembro, um colóquio sobre o papel desempenhado na guerra de 1914-18 pelas pequenas e médias potências, co-organizado pelo Instituto de Defesa Nacional, pelo Instituto de Ciências Sociais e pelo IHC.

Oliveira Cardoso gostaria também de promover em 2016, ano em que se cumpre o centenário da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, “um seminário que contasse a história da guerra à luz dos dias de hoje”, um projecto que está ainda a “debater com especialistas”.

Certo é que algumas das ideias mais fortes desta comissão só deverão ocorrer a partir de 2016: uma “grande exposição”, a construção de uma réplica do avião Spad VII, tripulado por pilotos portugueses enquadrados em esquadrilhas francesas, ou ainda o levantamento dos navios afundados na costa algarvia, em 1917, pelo submarino alemão U35. Estão já também a ser feitos contactos com a RTP para a realização de uma série televisiva que evoque a participação de Portugal na guerra e as circunstâncias em que esta se deu.  

Batalha do Somme com orquestra
Para este ano de 2014, o programa oficial até agora anunciado é bastante modesto, mas será enriquecido por iniciativas de várias instituições. Já no final deste mês, no dia 30, o Instituto Francês promove em Lisboa a “conferência cruzada” Por Uma História Mundial da Grande Guerra, com o historiador e ex-ministro Nuno Severiano Teixeira e o especialista francês Nicolas Offenstadt, exibindo no dia seguinte o documentário Os Portugueses nas Trincheiras, de António Louçã e Sofia Leite

Mas os mais importantes contributos até agora anunciados vêm do IHC, que está a organizar uma série de colóquios que decorrerão ao longo do ano, a começar por Resisting War in the 20th Century, entre 27 de Fevereiro e 1 de Março, e A Europa Entre Guerras (1919-1939), a realizar nos dias 3 e 4 de Abril. Em Julho, será a vez de um colóquio sobre África e a primeira guerra, e no final de Novembro realizar-se-á um encontro dedicado ao tema dos prisioneiros de guerra no século XX. E na primeira metade de Outubro, a preceder o collection day no Parlamento, haverá um outro colóquio, cujo tema e datas ainda não foram anunciados.

Os projectos para evocar a guerra que envolvem a equipa de investigadores do IHC estão centralizados no portal Portugal 1914 (www.portugal1914.org), desenvolvido com diversos parceiros, nacionais e internacionais, e onde já é possível consultar uma detalhada cronologia da participação portuguesa na guerra, ou ler biografais de soldados e de outros intervenientes, entre muitos outros materiais.

O portal inclui um apelo para que quem conserve memórias de familiares envolvidos na guerra permita que essas peças sejam digitalizadas e estudadas. E a julgar pelas muitas respostas já obtidas, Fernanda Rollo está convencida que a operação Collection Day no Parlamento vai ter uma grande adesão. Para já, os materiais recebidos estão a ser reproduzidos e enviados para a Europeana 1914-1918, um projecto que está a reunir este mesmo tipo de materiais à escala europeia.

Outros projectos já confirmados, mas ainda sem data marcada, são a edição do dicionário Portugal e a Primeira Guerra, a sair numa edição conjunta da Temas & Debates e do Círculo de Leitores, e a exibição de um filme da época sobre a batalha do Somme, uma das mais longas e sangrentas da primeira guerra. “Estamos a tentar fazê-la ao ar livre e com acompanhamento ao vivo de uma orquestra”, diz Rollo.

Juntamente com Filipe Ribeiro de Meneses, biógrafo de Salazar e professor na universidade de Maynooth, na Irlanda, e da historiadora Ana Paula Pires, sua colega na Universidade Nova e especialista na participação portuguesa na I Guerra Mundial, Fernanda Rollo é ainda responsável pela secção portuguesa do projecto 1914-1918 online - International Encyclopedia of the First World War, uma obra de referência virtual sobre a primeira guerra.

 
 
 
 

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