Crato diz que Governo quer investigação "de grande qualidade"

Ministro da Educação e Ciência ouvido na Assembleia da República argumenta que não há desinvestimento na ciência.

Foto
“Não há abandono da formação avançada”, disse o ministro Daniel Rocha

Ciência de grande qualidade – este é o desejo expresso ontem de manhã por Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, na Assembleia da República. O ministro foi chamado ao Parlamento pelo Partido Socialista, que invocou o direito potestativo, e foi repetidamente questionado pela oposição sobre a diminuição de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), tutelada pelo ministro.

Nuno Crato sublinhou que a aposta da política de ciência é na “grande qualidade”, o que também dependia do “esforço dos cientistas, com a elevada qualidade do seu trabalho, conseguiram ir buscar fundos europeus”.

“Não há abandono da formação avançada”, disse o ministro. “Temos um programa de retenção dos melhores dos nossos cientistas e dos melhores investigadores internacionais”, referindo-se ao concurso internacional Investigador FCT, que vai ser impugnado judicialmente por uma plataforma de cientistas criada há pouco tempo, alegando irregularidades. “Há um mito que é preciso refutar: o Governo não desinvestiu na ciência e continua a apostar na formação avançada.”

Crato diz que nos últimos anos a ciência tem tido mais dinheiro, e mostra um gráfico sobre o financiamento da FCT para sustentar as suas afirmações. “Reparem a queda iniciada em 2009. Reparem como nós, a partir de 2011, sustivemos a queda e conseguimos que mais dinheiro fosse investido”, disse o ministro, referindo-se ao orçamento efectivamente gasto da FCT. “Não confundamos um concurso de bolsas individuais, com o total de bolsas em execução.”

Indo então aos números. Até 2009, e sob alçada do governo socialista de José Sócrates e o ministro da Ciência Mariano Gago, o dinheiro orçamentado para a FCT tinha vindo a aumentar. O pico do dinheiro orçamentado anualmente (o que não quer dizer que venha a ser realmente gasto) foi atingido em 2009, com 639 milhões de euros.

Mas há uma diferença entre dinheiro orçamentado e dinheiro gasto (ou executado, na linguagem técnica). A maior fatia do dinheiro executado pela FCT foi em 2010, com 469 milhões de euros gastos (mais três milhões do que em 2009).

Nos anos seguintes, a FCT executou ao máximo o seu orçamento: 410 milhões de euros gastos em 2011, 416 milhões em 2012 e 424 milhões em 2013. Para 2014, o orçamento proposto é de 436 milhões de euros.

O que realmente gráfico é que o dinheiro orçamentado veio a baixar desde 2009. Que o dinheiro oriundo do Orçamento do Estado veio também a baixar. E que, desde 2011, o dinheiro executado tem-se mantido, mas é menor do que nos anos anteriores.

De ano para ano, os cortes no financiamento da FCT foram-se reflectindo em cortes no orçamento dos laboratórios do Estado e dos laboratórios associados (uma rede de 26 laboratórios), criando dificuldades financeiras na comunidade científica, que se queixa também de uma excessiva burocracia.

Na semana passada, os cortes ganharam visibilidade. Soube-se que 5190 candidatos não receberam bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento da FCT. De 2012 para 2013, o número de bolsas de doutoramentos atribuídas baixou quase 40% (mesmo tendo em conta as 431 bolsas dadas em 2013 nos novos programas de doutoramento da FCT). E o número de bolsas de pós-doutoramento caiu ainda mais, chegando a um corte de 65%. E os cientistas foram para a rua: numa manifestação, na terça-feira em Lisboa, que reuniu cerca de mil pessoas, ouvia-se em frente da sede da FCT palavras de ordem: “Incompetência está aí, excelência está aqui.”

Ontem no Parlamento, Elza Pais, deputada do PS, argumentou que o Governo está a expulsar do país os mais qualificados. “O novo paradigma de que falam não serve a ciência, faz parte de um programa de destruição de tudo o que é público”, disse.

Mas Crato refutou esta tese e mostrou os números: 2300 projectos em execução com o financiamento de 280 milhões de euros; um aumento de 43,9% de financiamento das unidades de investigação – 293 no país, espalhadas pelas universidades, onde estão 1500 investigadores; mais de 10.000 investigadores apoiados anualmente. Em relação aos 5190 candidatos sem bolsa, o ministro não reagiu.

Na bancada parlamentar do PS, a interpretação sobre o estado da ciência divergia. Odete João considerou o Programa do Governo para ciência como uma “errata”, que “não cumpre nada daquilo que definiu” e “gera instabilidade, insegurança, não dá às instituições os recursos necessários para desenvolver o seu trabalho”, deixando o futuro do país “cada vez mais empobrecido”.

 Já o PCP insistiu na condição precária dos bolseiros de investigação. “Estes trabalhadores são os mais qualificados do país, não têm direito ao apoio social, dão aulas de graça”, denunciou Paula Baptista.

A deputada do PSD, Nilza de Sena, referiu que o PS veio, mais uma vez, mostrar um “cenário alarmista”, que não representa o que se passa em Portugal. “Este Governo mantém o financiamento do sistema”, disse a deputada, argumentando que o governo de José Sócrates diminuiu “em 25%” o financiamento anual da FCT entre 2009 e 2011.

Luís Fazenda, deputado do Bloco de Esquerda (BE), quis saber se as ciências sociais estavam a ser alvo de preconceito em relação ao financiamento atribuído e pediu explicações sobre as irregularidades do concurso das bolsas individuais, que estão a ser contestadas por plenários de avaliação e já deram origem a pedidos de demissão. “É a comunidade científica que contesta”, argumentou o bloquista, referindo que o BE vai chamar o ministro à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

Mas o ministro remeteu a explicação para Miguel Seabra, presidente da FCT, que seria ouvido ontem mais tarde na comissão mencionada (ver caixa). Nuno Crato disse ainda que houve cerca de 30% das bolsas atribuídas às áreas das ciências sociais, rejeitando qualquer descriminação (ver texto nas páginas 28/29).

“É muito difícil falar quando não nos querem ouvir”, queixou-se o ministro. “Estamos a manter Portugal nas grandes organizações europeias, com dívidas que vieram do passado e que têm custos para a FCT”, disse ainda, justificando parte do destino do financiamento da FCT, e referindo ainda que a queda do Produto Interno Bruto em ciência reflecte uma “queda do investimento das empresas”. O ministro comentava assim a descida deste indicador que mostra o esforço do país em ciência e inclui dinheiros públicos e privados. Atingido o pico em 2009 (1,64%) e, desde então, tem estado em queda, sendo de 1,50% em 2012.

 
 

Sugerir correcção
Comentar