Oposição ucraniana esperançada, mas acordo fica adiado

Marcação de uma sessão parlamentar abre janela de oportunidade para demissão do Governo. Repressão policial dos últimos dias levanta acusações de abusos sobre manifestantes.

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Vitaly Klitschko pediu tréguas nos confrontos em Kiev Vasily Fedosenko/Reuters

Depois de um dia de grande violência, esta quinta-feira os ânimos acalmaram nas ruas de Kiev. A perspectiva de um acordo entre a oposição e o Presidente, Viktor Ianukovitch, serviu para refrear os confrontos e a promessa de uma sessão parlamentar extraordinária que irá discutir a demissão do Governo pode ter evitado o escalar da violência.

O líder do partido da oposição Udar, o ex-pugilista Vitali Klitschko, dirigiu-se, de manhã, aos manifestantes e à polícia para pedir tréguas enquanto a reunião com Ianukovitch decorresse. Na véspera, Klitschko tinha garantido que, caso o Presidente ucraniano não fizesse concessões, os manifestantes iriam passar para a “ofensiva”. “O Presidente sabe que eleições antecipadas vão mudar a situação sem derramar sangue e nós vamos fazer tudo para o alcançar ”, afirmou.

Não se tornou necessário recorrer ao aumento da violência. Ainda decorria a reunião entre Presidente e oposição, quando se tornou público que iria ser convocada uma sessão parlamentar de emergência para a próxima terça-feira. Apesar de não haver uma garantia imediata de que o Governo seja demitido, o presidente do Parlamento afirmou que o tema será abordado. “A oposição e a maioria parlamentar devem reunir-se e debater as questões que apareceram: a demissão do Governo e as questões relativas a leis que foram aprovadas”, esclareceu Volodymyr Rybak, em declarações ao site da presidência, citado pela Reuters.

As leis a ser discutidas referem-se muito provavelmente ao diploma aprovado na semana passada e que impôs várias limitações aos protestos. Para além da proibição de montar tendas, palcos ou amplificadores sonoros na via pública, os manifestantes passam a estar sujeitos a penas de prisão até cinco anos. Foram igualmente criados mecanismos de controlo da imprensa pelo Estado e o Governo passou a poder proibir o uso da Internet.

Naquela que aparenta ter sido uma das aplicações da nova lei, várias pessoas que se encontravam perto do local dos confrontos com a polícia receberam mensagens de texto por telemóvel identificando-as como participantes nos protestos. “Caro assinante, está registado como participante num protesto de massa”, lia-se no texto, de acordo com o The Guardian. O Ministério do Interior negou, contudo, qualquer envolvimento no envio das mensagens, mas admitiu que está a trabalhar no reconhecimento dos “participantes mais activos” através da análise de imagens de videovigilância.

Se Ianukovitch demonstrou sinais de abertura para, pelo menos, negociar com a oposição, o primeiro-ministro manteve a linha dura que tem defendido. À agência noticiosa russa Interfax Mikola Azarov afirmou que “um golpe de Estado genuíno estava em curso”. “Todos aqueles que apoiam este golpe devem dizer claramente: ‘Sim, apoiamos o derrube das autoridades legítimas na Ucrânia.’ E não se devem esconder por trás dos manifestantes pacíficos”, sublinhou o governante, que está em Davos (Suíça) a participar no Fórum Económico Mundial.

Denúncias de abusos da polícia

Uma manifestação de milhares de pessoas em Lviv, uma cidade no Oeste do país, levou o governador da região a apresentar a demissão. Oleg Salo é um russófono, próximo de Ianukovitch, e a sua demissão indica que o Governo poderá estar próximo de ceder.

A violência dos últimos dias em Kiev começou entretanto a suscitar questões quanto à acção das forças policiais. A utilização de balas convencionais, alegadas práticas de tortura e violência sobre jornalistas estão entre as acusações mais graves. O Ministério do Interior garantiu sempre que a polícia apenas utilizou balas de borracha, mas várias fotografias de pessoas no local mostram balas regulares. O coordenador médico dos manifestantes, Oleg Musi, afirmou ao Kiev Post que uma das vítimas mortais revelava ferimentos “impossíveis” de terem sido feitos com balas de borracha. A Human Rights Watch tem conhecimento de pelo menos um caso de uma pessoa atingida por uma bala normal.

Um estudante afirmou à BBC que foi torturado depois de ter sido detido pela polícia. "[As forças especiais] bateram-me fortemente (…) com bastões, cortaram-me com uma faca”, contou Mikhailo Niskoguz, de 17 anos. O jovem diz que estava a tirar fotografias quando foi abordado pela polícia, que o obrigou a andar nu e a cantar o hino nacional. Passaram quatro horas até a polícia chamar uma ambulância.

Nos últimos dias, 44 jornalistas foram agredidos pela polícia, de acordo com uma contabilidade do Instituto de Mass Media, uma ONG ucraniana que promove a liberdade de imprensa. Durante o dia de ontem, uma fotografia de um jornalista russo com a cara inchada e o nariz em sangue correu as redes sociais. “Vejam como os Berkut [unidades especiais da polícia antimotim] detêm os jornalistas”, escreveu a jornalista Ilia Azar, citada pela AFP.

Perante a violência em Kiev, a chanceler alemã, Angela Merkel, disse ontem estar “muito preocupada (…) mas também revoltada com a forma como as leis foram manipuladas até colocar liberdades em questão”. No entanto, Merkel negou que a imposição de sanções seja a melhor resposta.

Bruxelas anunciou que vai enviar a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, numa missão a Kiev durante a próxima semana. Ashton vai encontrar-se com Ianukovitch e com os líderes da oposição com o objectivo de alcançar uma “solução política.”
 
 
 

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