Receitas afastam dúvidas sobre défice abaixo da meta

Execução orçamental leva Governo a estimar défice “à volta” de 5%. Despesa cresceu e receita fiscal disparou. Ministra das Finanças remete valor final para Março.

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Maria Luís Albuquerque e Vítor Gaspar, os dois ministros das Finanças em 2013 Nuno Ferreira Santos

No ano em que os portugueses sentiram no bolso o impacto do “enorme aumento de impostos”, a receita fiscal arrecadada pelo Estado atingiu um valor recorde de 36.253 milhões de euros e foi decisiva para contrabalançar o aumento da despesa e manter as contas públicas dentro do limite de défice negociado com a troika.

Os dados da execução orçamental de 2013, publicados nesta quinta-feira pela Direcção-Geral do Orçamento, mostram como o IRS foi determinante para esta trajectória. Embora o IVA se mantenha à frente como o imposto que mais contribuiu para o total da receita fiscal, o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares deu um empurrão determinante e, com um crescimento de 35,5%, representou mais de um terço de toda aquela receita.

Em relação à meta do défice definida no quadro do programa de resgate, os números da execução orçamental já apontavam para fosse cumprido o limite de 8900 milhões de euros (ficou 1748 milhões abaixo). E deixaram o Governo confortável o suficiente para vir a terreiro adiantar que o défice registado em contabilidade nacional (o valor que conta para as estatísticas do INE e do Eurostat) rondará 5% do produto interno bruto (PIB). O Governo partira para a execução orçamental do ano passado com uma meta de 5,5%, mas em Outubro viria a rever o limite para 5,9%. O valor inclui já o impacto negativo nas contas públicas da injecção feita pelo Estado para ajudar à recapitalização do Banif.

Em mãos apenas com uma estimativa aproximada, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, não arriscou dizer mais sobre o valor exacto do défice. Isto porque, vincou em entrevista à TVI, o Governo não tem ainda toda a informação necessária para isso, nomeadamente quanto ao PIB. “Só em Março saberemos o valor exacto”, vincou, dando apenas como certo que os limites serão cumpridos, tal como já haviam previsto o Conselho das Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental.

Tendo em conta os números provisórios agora conhecidos, e segundo um cálculo feito pelo economista Paulo Trigo Pereira, o défice em contabilidade nacional terá ficado em 4,56%. De acordo com uma estimativa do docente do Instituto Superior de Economia e Gestão/Universidade de Lisboa) o défice ficaria em 5,33% (também abaixo do objectivo) mesmo não contabilizando o efeito do perdão de dívidas fiscais e à Segurança Social lançado pelo Governo na recta final do ano, que garantiu 1253 milhões de euros para os cofres do Estado.

A receita em impostos aumentou 13,1% em relação ao ano anterior, superando a taxa de variação que foi prevista para a totalidade do ano no segundo Orçamento do Estado rectificativo. Mesmo se não fosse contabilizado o efeito do perdão, o crescimento da receita seria superior a 10%. E, ao todo, o programa de regularização de dívidas representou 3,5% do encaixe da receita (já descontado o montante arrecadado em dívidas pela Segurança Social).

Mais despesa com subsídios
Com o agravamento em sede de IRS (menos escalões, sobretaxa de 3,5% e deduções mais apertadas), só com este imposto o Estado arrecadou ao longo do ano passado mais 35,5% em receita do que em 2012. Ao todo, o IRS garantiu 12.307,7 milhões de euros, um valor que fica 3223 milhões de euros acima do arrecadado em 2012.

Já o IRC teve entre Janeiro e Dezembro um aumento de 18,8%, apresentando uma forte aceleração no último mês do ano. Se, em 2012, o imposto o rendimento das pessoas colectivas apresentou uma execução acumulada de 4280,5 milhões de euros, em 2013, o desempenho chegou aos 5083,8 milhões.

Com isso, os impostos directos tiveram um crescimento de 27,6%, enquanto nos indirectos — mais sensíveis à evolução da actividade económica — o crescimento não foi além de 2,4%. A receita arrecadada com o IVA (13.244,1 milhões de euros, mais 3,5%), com o Imposto de Selo (1366,2 milhões, mais 0,6%) e com o Imposto Único de Circulação (255,3 milhões, mais 29,2%) ajudaram a compensar a queda noutros impostos.

Do lado da despesa, registou-se um aumento nos gastos com pessoal e com o pagamento de subsídios, contribuindo para um aumento da despesa do Estado em 3,8%, para 61.091,8 milhões de euros. Na administração central, as despesas com pessoal cresceram 10,4%, passando para quase 12.700 milhões de euros. Na Segurança Social, a despesa com o pagamento de subsídios de desemprego e apoio ao emprego engordou 5,1%, ultrapassando os 2700 milhões, enquanto os gastos com pensões cresceram 6%, para 15.295 milhões de euros.

Austeridade e objectivos
O optimismo revelado pelo Governo, que pela voz da ministra das Finanças já dissera na véspera não ser razão para abrandar o ritmo das medidas de austeridade, contrastou com as críticas dos partidos da oposição. Enquanto o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, aproveitou para confrontar os socialistas com o discurso da “espiral recessiva” e o líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães, acusou o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda de ficarem “sem discurso”, as bancadas da oposição apontaram os custos sociais implicados pelas medidas que garantiram a redução do défice.

Eurico Brilhante Dias, membro do Secretariado Nacional do PS, disse que o Governo falhou nos principais objectivos definidos com a troika em 2011, já que nessa altura o défice estabelecido para 2013 era de 3%. “A propaganda não cola com a realidade”, criticou.

Já o deputado do PCP Paulo Sá sustentou que a diminuição do défice foi feita com medidas de austeridade “umas sobre as outras” e o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, considerou, citado pela Lusa, que o valor do défice “esconde as contas do Banif”. com Sofia Rodrigues

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