Despesa anual de mais de 850 milhões com pensões vai desaparecer do défice

Mudança nas regras contabilísticas europeias faz com que todas as receitas e despesas relacionadas com as transferências dos fundos de pensões deixem de contar para o cálculo do défice público.

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Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças

O Governo já não vai ter de incluir no cálculo do défice, a partir deste ano, o pagamento das pensões que foram transferidas da banca e de empresas como a PT ou os CTT durante a última década. Em causa estará, de acordo com os dados do Tribunal de Contas e do Ministério das Finanças, um valor de redução anual da despesa que supera os 850 milhões de euros.

A mudança, que irá dar uma ajuda preciosa ao Governo na tentativa de atingir o objectivo de défice de 4% em 2014, é o resultado da alteração que está a ser preparada, para o mês de Setembro, do Sistema Europeu de Contas (SEC), o conjunto de regras que definem como é que cada país deve calcular indicadores como o PIB, o défice público ou a dívida pública.

Uma das principais mudanças em preparação é, explicaram os responsáveis do INE numa sessão de esclarecimento a jornalistas, o desaparecimento das contas públicas de todas as receitas e despesas resultantes das transferências de fundos de pensões para os Estados que tenham sido efectuadas no passado ou que venham a ser concretizadas no futuro.

Assim, se por um lado os défices públicos registados por Portugal em diversos anos da última década terão de ser revistos em alta devido à eliminação da receita extraordinária recebida no momento em que os fundos de pensões foram transferidos, por outro a despesa que passou a ser assumida anualmente pelo Estado com essas pensões também deixa de ser registada para os cálculos do défice.

As autoridades estatísticas não avançam para já com um valor concreto de impacto orçamental por causa desta medida, e o Ministério das Finanças, questionado pelo PÚBLICO, não deu qualquer resposta até ao fecho da edição.

No entanto, dados publicados pelas Finanças e pelo Tribunal de Contas no passado permitem ter uma ideia do montante de despesa que pode estar em causa. No primeiro orçamento rectificativo de 2012, as Finanças revelaram que o pagamento pela Segurança Social das pensões referentes aos fundos de pensões da banca que tinham sido transferidos em 2011 ascenderia em 2012 aos 522 milhões de euros, um valor que se manteve em 2013.

Por outro lado, num relatório de auditoria publicado em 2005, o Tribunal de Contas calculava que, em 2014, a despesa pública com as pensões que resultaram da transferência dos fundos dos CTT, RDP, INCM, ANA, NAV e CGD seria de 333 milhões de euros.

No total, estamos perante um valor de despesa com pensões de 855 milhões, mesmo não estando incluídas neste cálculo as pensões relativas à transferência do fundo de pensões da PT (para as quais não foi possível obter uma estimativa).

Para as contas públicas do passado, é possível ver que o agravamento do valor do défice poderá ser de 1300 milhões de euros em 2003 (cerca de 0,8% do PIB) devido à transferência do fundo de pensões dos CTT, de 3052 milhões em 2004 (2% do PIB) por conta dos fundos da CGD, NAV, ANA e Casa da Moeda, de 2634 milhões em 2010 (1,6% do PIB) por causa do fundo da PT e de 5950 milhões em 2011 (3,5% do PIB) pelo impacto dos fundos de pensões da banca.

O impacto nas contas irá fazer-se sentir pela primeira vez quando o INE apresentar os números do défice nas contas que envia a Bruxelas no final do mês de Setembro. Nessa altura, será feita uma revisão dos dados até 2013. O primeiro valor do défice desse ano será anunciado ainda sem alterações. Para 2014, os primeiros dados publicados pelo INE serão conhecidos em Março de 2015.

O objectivo das autoridades estatísticas com esta alteração é que deixe a partir de agora de haver a possibilidade de os Estados usarem estas transferências de fundos. Não deixa, contudo, de ser irónico que os países que no passado mais beneficiaram dessas receitas extraordinárias (como Portugal) tenham agora uma nova vantagem ao não terem de registar a despesa extraordinária que resulta do facto de os Estados assumirem as responsabilidades pelo pagamento das pensões.

Mais impactos
Além desta redução da despesa com pensões, as mudanças de regras contabilísticas trazidas pelo novo SEC contam com outros impactos importantes.

Um é a inclusão de uma série de empresas que até aqui têm estado fora dos cálculos do défice e da dívida, dentro do perímetro da administração pública. Aqui, se é claro que um agravamento da dívida pública irá acontecer, em relação ao défice ainda subsistem dúvidas. A inclusão dos hospitais EPE deverá fazer subir o défice, mas outras empresas registam, em determinados anos, resultados positivos que até podem beneficiar o saldo orçamental global.

E há ainda uma grande incógnita para o ano de 2014. O novo SEC e as alterações que estão ser realizadas nas regras contabilísticas do sector financeiro a nível internacional fazem com que o Governo possa optar por assumir uma despesa extraordinária significativa durante este ano. O problema está relacionado com o crédito fiscal com que os bancos ficam ao registar prejuízos e que podem abater nos pagamentos de impostos futuros. Até agora, os bancos podem contabilizar, sem obstáculos, esse crédito fiscal como um activo, mas no futuro, devido à aplicação da nova Directiva de Requisitos de Fundos Próprios (CRD IV), será necessário que os Estados reconheçam expressamente que esses créditos fiscais constituem efectivamente uma dívida do sector público para com a banca. Só assim os bancos evitam uma perda de activos e, consequentemente, uma menor força do seu capital.

O problema para o Estado é que, por via do novo SEC, esse reconhecimento expresso pode implicar um agravamento do défice. Só nos grandes bancos, os créditos fiscais pendentes estão próximos de 5000 milhões de euros. Nesta fase ainda se espera pela decisão definitiva do Eurostat sobre esta matéria e também pela opção que o Governo adoptará.

Em Espanha e em Itália, os governos já decidiram assumir as perdas, o que faz com que os bancos portugueses exijam ser tratados de forma igual. Nesta terça-feira, a Lusa citava um responsável do sector bancário que dizia que o Governo não tinha aceitado a proposta do sector financeiro, para não afectar o défice de 2014. Ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças não esclareceu se já tinha tomado alguma decisão sobre a matéria.

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