O risco de uma meia dúzia de projectos ficar pelo caminho

No Centro de Ciências do Mar do Algarve, um dos quatro laboratórios visitados pelo PÚBLICO no âmbito deste dossier dedicado à ciência, há apreensão devido aos cortes nas bolsas e receio pela falta de perspectiva dos jovens cientistas.

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Adelino Canário, do CCMar: “Até agora, apesar das dificuldades, as coisas têm funcionado”. Vasco Célio

Desemprego ou saída para o estrangeiro? A pergunta corre, sem resposta, pelos corredores do Centro de Ciências do Mar (CCMar) do Algarve, em Faro. Os cortes nas bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento, recentemente anunciados, deixaram os investigadores mergulhados em incertezas. “Isto está a atingir um ponto …”, desabafa Marco Campinho, um pós-doutorado que deixa subentendida a palavra “ruptura” e continua à espera, desde há sete meses, para saber se vai ter a renovação de uma bolsa pelo menos por mais três anos.

O director do CCMar, Adelino Canário, está apreensivo: “Até agora, apesar das dificuldades, as coisas têm funcionado.” Porém, não escondendo as dificuldades, revelando a face negra da questão: “Pelo menos uma meia dúzia de projectos corre o risco de ficar pelo caminho”, diz o professor catedrático, depois de ouvir Marco Campinho, que lhe bate à porta do gabinete, preocupado com as notícias que dão conta da “razia” na atribuição das bolsas da Fundação para Ciência e a Tecnologia (FCT). Não estão em causa apenas as barreiras que se colocam aos actuais investigadores, adverte Adelino canário, mas também a falta de perspectivas com se deparam os jovens que gostariam de seguir uma carreira de investigação.

“Desemprego ou emigração?”, questiona Margarida Castro, professora associada da Universidade do Algarve e investigadora do CCMar, que está entre os11 cientistas portuguesas que em Dezembro subescreveu uma carta aberta a alertar para o “risco” de Portugal regredir mais de 20 anos e ficar “sem capacidade de obter conhecimento” da sua vasta área marinha. Jovens cientistas altamente qualificados, diz a carta, estão a emigrar a uma “velocidade aterradora”: “É urgentíssima uma intervenção eficaz que tente atalhar e reduzir esta sangria.”

E no CCMar, com um orçamento de anual de cerca de quatro milhões de euros e onde trabalham 250 pessoas, o que se estuda? Se desaparecesse o CCMar, diz Adelino Canário antevê o que aconteceria: “A Universidade do Algarve praticamente desaparecia. Somos responsáveis por 50% da investigação que aqui se produz.”

Um exemplo dos estudos: Adelino Canário pára à entrada do Laboratório Experimental de Organismos Aquáticos, para falar do comportamento das tilápias de Moçambique. Estuda-se a comunicação química destes peixes, para perceber como é que fêmeas se deixam seduzir pelo cheiro dos machos, mas também para entender como se processa a hierarquia de poder neste reino aparentemente entre iguais. Quando um macho se assume como chefe, diz Adelino Canário, urina para exigir ao outro que respeito o seu astuto de superioridade. Através do cheiro de certas substâncias contidas na urina, o outro sabe logo que não adianta disputar território. “Cheira e fica saber que não vale a pena guerrear, porque perderia. Desiste da luta.”

Outro exemplo: a região algarvia, à entrada do Mediterrânio e próxima de África, assume particular significado no contexto dos oceanos. Atentos às alterações do clima, os cientistas estão cada vez mais preocupados com a evolução dos ecossistemas. Já não são apenas os atuns, pescados no Algarve pelos japoneses, que reapareceram nas águas do Sul.

No princípio da década de 1980, identificaram-se na ria Formosa cerca de 70 espécies. O trabalho tece continuidade e, devido às alterações do clima, apareceram entretanto 40 novas espécies.  
 
 
 
 

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