A tortura e o massacre

Após uma espera interminável e incompreensível em face da pronta promulgação do Orçamento do Estado para 2014, foram finalmente comunicados aos candidatos os resultados do concurso para bolsas de doutoramento e pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), aberto em finais de Julho de 2013. A abertura muito tardia do concurso já causou imensos problemas e angústias aos potenciais candidatos, agravados ainda por causa da exigência inicial de terem concluído os respectivos graus académicos antes do fecho do concurso em Setembro, o que eliminaria já a priori dezenas de candidatos. No entanto, neste ponto a FCT recuou, depois de muitos protestos, inclusive da minha parte.

Porém, a tortura dos candidatos não acabou aí, tendo a espera se prolongado inexplicavelmente até dia 14 de Janeiro de 2014, já a meio caminho do mês em que as bolsas supostamente se podiam iniciar. Então a angústia da espera transformou-se, para a esmagadora maioria, em frustração e porventura em desespero, com reprovações na casa dos 90%, tanto no concurso para bolsas de doutoramento como naquele para bolsas de pós-doutoramento, um autêntico massacre de jovens cientistas.

A fim de ilustrar a razia, vou focar o caso de uma candidata a bolsa de pós-doutoramento, que ficou bem longe da linha de corte das candidaturas aprovadas. Ela doutorou-se no Instituto Superior Técnico (IST) em Física de partículas há menos de um mês, obtendo a classificação “muito bom” para a sua tese, com uma média de 18,5 valores para as cadeiras do curso de doutoramento do IST. Mais importante, no entanto, é o seu trabalho científico ao nível das publicações, com 11 artigos publicados em revistas da especialidade com arbitragem científica, na altura do concurso, dos quais sete como primeiro autor.

Acresce que o programa de investigação proposto na sua candidatura a bolsa se insere perfeitamente na temática dos projectos dos orientadores, que foram aprovados ininterruptamente em concursos competitivos da FCT no âmbito do Programa CERN, desde 2000 até à suspensão unilateral do programa por parte da FCT em 2013. Convém ainda salientar que parte da investigação proposta dizia respeito aos hipotéticos estados “exóticos” na física dos quarks, um dos temas mais quentes em toda a física no ano de 2013. Esta parte do trabalho seria feita pela candidata em colaboração com um especialista mundial nesta área, durante um estágio de um ano numa prestigiada universidade estrangeira, configurando-se um modelo de pós-doutoramento previsto no regulamento do concurso.

Quando uma candidata com este currículo científico não tem a mínima hipótese de conseguir uma bolsa de pós-doutoramento no nosso país, algo está profundamente mal. Não tenho dúvidas de que há muitos outros casos gritantes como o seu, de jovens cientistas promissores com a carreira truncada, salvo aqueles poucos que talvez consigam um lugar numa universidade estrangeira, na esperança de um dia poderem voltar para um Portugal diferente, se nessa altura ainda se lembrarem do país. Investigador do Instituto Superior Técnico

 
 
 
 
 

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