"Temos de investir muito na internacionalização da arquitectura"

João Santa-Rita, eleito com 1009 votos e empossado na segunda-feira, é o novo presidente da Ordem dos Arquitectos. Nos próximos três anos, defende que é preciso que o país seja cada vez mais capaz de exportar serviços em vez de arquitectos.

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O arquitecto João Santa-Rita Miguel Manso

Em 1983, quando João Santa-Rita terminou o curso de Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, o país lá fora tinha algo em comum com o Portugal de hoje: pedia-se ajuda ao FMI e viveram-se “períodos muito difíceis”, diz ao PÚBLICO o novo presidente da Ordem dos Arquitectos (OA). Empossado na segunda-feira, está preocupado com a emigração dos arquitectos, sobretudo dos mais jovens, como há seis meses espelhou o último estudo sobre a profissão, mas também com um mercado de trabalho pouco dinâmico devido à crise.

Aumentar a proximidade é um dos objectivos no programa da sua Lista A, a única concorrente aos órgãos nacionais – não só entre profissionais e cidadãos, mas também entre os arquitectos e a sua Ordem. A eleição de 19 de Dezembro, embora contasse com 16.917 profissionais nos cadernos eleitorais, teve apenas 1354 votantes para os órgãos nacionais – uma abstenção de 92%.

Autor, com Manuel Vicente, da readaptação da Casa dos Bicos para acolher a Fundação José Saramago, o seu atelier assinou também a ampliação e reconstrução do Museu do Fado, a renovação do Museu José Malhoa (Caldas da Rainha) e projectos como os quiosques para floristas no Rossio ou a estação de metro de Cabo Ruivo. João Santa-Rita sucede a João Belo Rodeia, que cumpriu dois mandatos consecutivos, e ambos concordam que há uma actual “afronta” à sua profissão sob a forma de duas propostas de lei que podem representar um regresso ao Decreto-lei 73/73, que permitia a técnicos não arquitectos assinar projectos.

Foi eleito com 1009 votos e uma esmagadora abstenção. A sua lista quer aumentar a cumplicidade entre a OA e os arquitectos. Como vai consegui-lo?
A questão da participação em actos eleitorais é transversal a algumas ordens e infelizmente, mais ainda do que isso, também é uma questão do ponto de vista nacional. Nesta eleição, é ainda mais penalizador por haver só uma lista. Quando propomos uma Ordem muito centrada nos temas da profissão, estamos a tocar nisso – envolver ainda mais a Ordem nas questões que implicam directamente o quotidiano dos arquitectos. Muito do que propomos tem a ver com o diálogo, um relacionamento um pouco mais aberto. É um aspecto que pode e deve mobilizar os arquitectos.

Mas há um problema de relacionamento?
Não, não. As ordens têm um trabalho muito específico e uma distância em relação aos membros pela própria natureza do seu trabalho. Precisando: o nível de participação nas ordens também tem a ver com a experiência que os membros têm de participação na sociedade.

Espelha a participação cívica.
E as ordens não são excepção. Mas esse envolvimento do quotidiano da Ordem com a sociedade, com as instituições do Estado, com todo o trabalho necessário para o exercício da nossa actividade e para a salvaguarda do seu interesse público – se estes aspectos forem mais e melhor passados para os membros, acredito que possa resultar daí maior participação. É fundamental melhorar a comunicação.

Quais são os problemas mais urgentes da profissão? A emigração perante um mercado de trabalho limitado?
É um dos problemas que temos que tocar, os que são forçados a sair pelas condições do país. Temos hoje muitos e bons profissionais qualificados e a arquitectura portuguesa e a sua formação têm um grande reconhecimento lá fora. Há que procurar que a capacidade que o país possa ter de exportar serviços seja mais importante do que a capacidade que possa ter de deixar sair profissionais. Só conseguimos inverter isto se trouxermos mais trabalho para o país – e para isso temos de investir muito na internacionalização dos nossos serviços e da arquitectura. E isso toca em muitas áreas, de formação, de programação…  

Quer criar uma estratégia para a encomenda pública, uma das grandes fontes de trabalho para os arquitectos portugueses e que está quase congelada. Quais são as grandes linhas e que objectivos tem?
Tenderá a haver sempre obra pública pela necessidade de manter, alterar, adaptar o parque edificado. E o Estado é detentor de um enorme parque edificado e muito dele encontra-se muito desadequado ou até, em alguns casos, devoluto. Isso pode ser interessante em termos de programação do país, tendo em conta o interesse que há em implementar políticas de reabilitação do parque edificado, e associando-as a outras acções, nomeadamente na requalificação e modernização energética. São questões que podem, associadas, vir a criar algumas frentes de trabalho. É evidente que isto só é viável se houver uma programação dessas acções para que Portugal possa ter sempre uma posição, através do recurso a fundos de financiamento.

E a Ordem vai intervir de que forma?
Sensibilizando. Já temos vindo a sensibilizar quer o Estado, quer os privados, e [também] disponibilizando a nossa acção, acompanhando os processos e aconselhando.

Concorda com a ideia de que, porque as necessidades de infra-estruturas, serviços e habitação do país estão já supridas, o trabalho dos arquitectos passará muito pela reconstrução, reabilitação e requalificação?
Sem dúvida. O país está equipado. É evidente que as frentes que restam são as que têm mais a ver com a requalificação e recuperação do existente do que propriamente com construção nova – que, pontualmente, haverá sempre. O país vai conhecer um tipo de acção e de actividade diferente daquilo que foram as últimas três décadas – a década de 1980 viu o desenvolvimento de universidades e escolas; nos anos 1990 foram as redes dos museus, do metropolitano, infra-estruturas e equipamentos culturais; no princípio dos anos 2000 a requalificação de cidades, umas com mais sucesso que outras, através dos programas Polis. Tudo isto implica uma alteração do modo e natureza do exercício da profissão.

Isto é limitador?
Por um lado, pode limitar os que querem ir para a profissão, o que é de lamentar, porque o que uma sociedade deseja é que quem tem vocação deve segui-la. Por outro lado, carece de um olhar diferente, de uma atenção diferente. Mas é sempre arquitectura. Não creio que daí advenha um limite – e isto pode ser um bocadinho pessoal.

Como se propõe combater a “afronta” que são as propostas de lei 492/12 e 493/12, que consideram ser um regresso ao Decreto 73/73 que permite a não arquitectos assinar projectos?
Estas propostas são um retrocesso. Não entendemos como é que algo que corresponde a uma melhor resposta ao interesse público é posto em causa. É uma conquista muito representativa para os arquitectos, que estabelece que a arquitectura é exercida por arquitectos. Entendemos que não há motivo para pôr em causa o que resultou de um diálogo muito importante entre as diversas ordens [a OA e a Ordem dos Engenheiros contribuíram para a revogação do 73/73 em 2009 ].

E o que pode a OA fazer?
A Ordem produziu os seus pareceres, fez saber a sua posição e agora aguardamos saber se foram acolhidas [pela Secretaria de Estado das Obras Públicas].
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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