Um Congresso à medida do líder

Comentário

Foto
Paulo Pimenta

Paulo Portas só pode ser um líder satisfeito. Ninguém lhe disputou a liderança, mas sai de Oliveira do Bairro com um plural Conselho Nacional, que funciona como um parlamento partidário. Continua sem um opositor explícito e consequente, sendo reeleito com uma percentagem de 85,93%. Tão bom ou até melhor que isto, conseguiu que um congresso que se previa entediante e sem nenhuma tensão, aquecesse na noite de sábado, quando no pavilhão de Oliveira do Bairro, Filipe Anacoreta Correia anunciou que mantinha a sua moção a votos e ameaçou que poderia mesmo candidatar-se à liderança.

Horas depois, fechadas as urnas e terminado o voto secreto, a moção de Portas tinha 82% e Anacoreta obtinha 16,6%. Mas o opositor oficial a Portas não levou às últimas consequências a sua disponibilidade e limitou-se a apresentar, pela terceira vez, lista ao Conselho Nacional, não candidatando uma equipa à Comissão Política e a si mesmo a presidente deste órgão, ou seja, a líder do partido.

Anacoreta Correia cumpriu assim o papel que tem sido o seu, neste segundo consulado de Portas à frente do CDS, ser oposição oficial nas ideias, mas nunca assumir a disputa real do poder partidário. E mesmo aqui, perdeu três conselheiros, elegendo apenas nove. Portas viu ainda a sua reeleição ser brindada com a apresentação de mais uma lista ao Conselho Nacional, que elegeu três nomes, um deles Martim Borges de Freitas, que há mais de vinte anos sucedeu a Manuel Monteiro na liderança da então Juventude Centrista e foi secretário-geral de Ribeiro e Castro, e que reunia vários militantes que se inserem na linha democrata-cristã do CDS.

Protagonizando uma oposição interna que se apresenta como radical e defensora de uma ruptura de sistema, Anacoreta Correia agitou pouco um partido que está cimentado em torno de Portas há cerca de duas décadas – lembremo-nos que mesmo antes de ser militante do CDS, Portas colaborou activamente na reconstrução ideológica deste partido feita pela direcção de Manuel Monteiro. É certo que algumas das cedências que a direcção Portas tem feito no Governo podem até ter engrossado os apoios à moção de Anacoreta, que assume frontalmente, por exemplo, a rejeição da coligação pré-eleitoral entre o CDS e o PSD para as europeias.

Mas na prática, os resultados de Anacoreta e de Borges de Freitas ajudam Portas a poder justificar que o CDS não é um partido monolítico. E os resultados para o Conselho Nacional favorecem também a leitura da pluralidade interna no órgão de direcção que é suposto precisamente espelhar as matizes de opinião e até as tendências de orientação política e ideológica interna.

No caso, entre uma corrente - que se revê em Portas e que inclui o grupo de Martim Borges de Freitas - mais democrata-cristã e para quem o Estado tem um papel central a desempenhar na protecção da sociedade. Uma corrente que inclui alguns dirigentes mais liberais nos costumes e nos direitos individuais e de personalidade. E uma corrente liderada por Anacoreta que é mais conservadora na defesa de questões que vê como morais e de defesa da família. Mas que defende uma ruptura de sistema de organização política e de Estado, que reduza substancialmente o papel do Estado na sociedade. Uma corrente minoritária no CDS, a quem alguns, de forma irónica, chamam “o Tea Party da Lapa”.

Assumindo no Congresso o papel de vice-primeiro ministro e justificando de forma geral e com frases feitas e lugares comuns a crise governativa provocada pela sua demissão em Julho, dizendo até: “O que teve de ser teve muita força, a crise foi superada e a meu ver o Governo está mais forte.” Argumentar, no plano nacional: “O partido deve apenas saber que actuei em último e exclusivamente em último recurso, por entender que se nada fosse feito a coligação poderia deteriorar-se e isso poria em risco aquilo que é um bem essencial para todos: termos governo que chegue para vencer o resgate.” E justificar para o partido que após a sua demissão irrevogável que o levou a vice-primeiro-ministro se abriu um “novo ciclo” em que há um “maior equilíbrio entre o político e o económico” e “maior equilíbrio entre os parceiros”.

Ou seja, Paulo Portas foi a Oliveira do Bairro explicar ao partido que o CDS aumentou o seu poder governativo graças à sua demissão “irrevogável”. Uma linguagem de poder pragmático que parece continuar a funcionar no CDS. Isto embora Anacoreta tenha ensaiado um discurso de ruptura que poderá vir a frutificar ou não no futuro.

Mas Paulo Portas não deixou de ver o seu pragmatismo político violentamente atacado por um seu correligionário político de mais de duas décadas. Luís Nobre Guedes subiu ao palco do Congresso para fazer a mais brutal acusação a Portas neste Congresso e talvez até da sua vida política: “Há 25 anos, o doutor Paulo Portas, eu próprio e uma geração tivemos um sonho de construir um Portugal diferente. Não fomos capazes.”
 
 

Sugerir correcção
Comentar