Governo admite pagar horas extra para resolver atrasos nas colonoscopias

Director clínico do Instituto Português de Oncologia de Lisboa diz que o problema “é a enorme carência de recursos humanos, pelo aumento das reformas e pelas dificuldades de contratação”.

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Paulo Pimenta

A região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo, onde se verificam maiores problemas de atrasos na realização de colonoscopias (exame que permite diagnosticar o cancro colo-rectal), vai abrir excepcionalmente a porta ao pagamento de horas extraordinárias aos médicos que as realizam. Está também a estudar a hipótese de criar um programa especial de incentivos para fazer diminuir as suas listas de espera, à semelhança do que existe para algumas cirurgias, adiantou ao PÚBLICO o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Luís Cunha Ribeiro.

Esta semana foi conhecido o caso de uma doente que, entre a análise que detectou sangue nas fezes e a realização de uma colonoscopia que confirmou que padecia de cancro colo-rectal, esperou dois anos, altura em que o tumor se tornou inoperável, noticiou o Diário de Notícias. O coordenador nacional do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, não comenta o caso, mas diz que, entre uma análise positiva e uma colonoscopia, “dois meses de espera é razoável”.

Depois de conhecido o caso da doente que aguardou dois anos, Cunha Ribeiro anunciou que em Lisboa e Vale do Tejo iriam ser feitas mais 5500 colonoscopias durante este ano, o que representa mais 21% do que em 2013. Como? “Optimizando pessoas e equipamentos”, sintetiza. O responsável conta que estes exames suplementares sejam feitos com “prata da casa”, ou seja, com os médicos e equipamentos dos hospitais públicos. Depois de ter reunido com os responsáveis de 15 hospitais da região que fazem o exame, diz acreditar que, “à custa de reengenharias do processo produtivo”, estas colonoscopias a mais vão fazer-se sem gastar mais dinheiro.

Mas admite que as 5500 “não são suficientes para as necessidades” e vai apresentar à tutela, nas próximas duas a três semanas, mais hipóteses de solução. “Estamos a estudar várias alternativas”. Desde logo, o recurso a horas extraordinárias, que neste momento está bloqueado. “Quem conseguir recuperar os atrasos com horas extraordinárias, vai ter autorização da ARSLVT e do Ministério da Saúde”, afirma. Outras das hipóteses passa pela criação de “um sistema de pagamento supletivo”, à semelhança do que foi feito para cirurgias com tempos de espera muito elevados, como era o caso das cataratas.

O caso do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa é paradigmático. Há cerca de dois anos, o IPO de Lisboa tinha 12 médicos gastrenterologistas, únicos especialistas que realizam estes exames, mas passou a contar apenas com nove porque dois reformaram-se e um saiu para o sector privado, explica o director clínico, João Oliveira. Por esse motivo, sobretudo desde há um ano, tem sido mais difícil realizar colonoscopias, o que se traduziu basicamente em atrasos nos doentes que precisam de fazer o exame por terem risco familiar de cancro colo-rectal.

“Mãos atadas”
O responsável não quantifica os tempos de espera, mas destaca que tudo o que tentaram fazer para tentar colmatar o problema causado pela saída dos médicos ficou bloqueado “por constrangimentos financeiros”. “Ninguém pode contratar médicos sem autorização superior”, afirma, notando que também não estão a receber nenhum jovem médico na especialidade de Gastrenterologia.

“Mesmo que quiséssemos dar aos médicos remuneração adicional [para fazerem mais exames fora do seu horário de trabalho], não podíamos”, lembra. O director clínico diz que há menos de um ano também sondaram o mercado dos privados para analisar se podiam recorrer ao exterior, mas “os preços são incomportáveis ou não há capacidade de resposta”. “Estamos de mãos atadas”.

Os responsáveis do Ministério da Saúde já foram muitas vezes alertados para o problema das listas de espera para a realização de colonoscopias e para a importância do rastreio do cancro colo-rectal, sublinha Isabelle Cremers, ex-presidente  da Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva que é responsável pela Unidade de Endoscopia no Centro Hospitalar de Setúbal.

Nesta unidade, o tempo de espera para uma colonoscopia é de cerca de dois meses, com ou sem anestesia, mas isso só é possível porque se tem investido ali muito nesta área e porque conseguiu a colaboração dos anestesistas, explica a médica.

Quanto tempo demoram os outros hospitais públicos a dar resposta? É muito difícil saber, porque a maior parte das unidade de saúde, apesar de estarem obrigadas a divulgar estes dados trimestralmente nos seus sites desde 2011, não o faz. Cremers acredita que os tempos de espera poderão rondar “um ano”.

O PÚBLICO tentou perceber qual é o prazo médio para a realização de uma colonoscopia numa dezena de hospitais públicos do país, mas só alguns responderam. O Centro Hospitalar de S. João, no Porto, garantiu que a capacidade está a aumentar (4674 exames em 2013 contra 4081 no ano anterior) e que para as colonoscopias simples “não há lista de espera”. Já para as colonoscopias com anestesia o tempo de espera, apesar de ter vindo a diminuir, “situa-se neste momento em seis meses”.

No Hospital Espírito Santo, de Évora, “os doentes prioritários aguardam no máximo, em média, três semanas, e os não-prioritários têm uma espera máxima de oito meses”. O Hospital Distrital de Santarém faz o exame no espaço de oito dias, nos casos de pedidos dos centros de saúde levam 40 a 60 dias, explica o seu presidente do conselho de administração, José Josué.

Vítor Neves, presidente da Associação de Luta contra o Cancro do Intestino Europacolon, lembra igualmente que este é um problema antigo, apesar de se ter vindo a agravar nos últimos tempos.  “Fomos à tutela no início de 2013 porque as queixas estavam a aumentar. Chegamos a encaminhar pessoas de Lisboa para o Entroncamento para fazerem colonoscopias”, recorda. Em Novembro, acrescenta, “como não havia resposta e as queixas continuavam, decidimos denunciar a situação na comunicação social”. “Nessa altura, o ministro da Saúde  prometeu resolver o problema até ao final do ano”.

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