Crimes violentos contra as mulheres no Afeganistão atingem níveis-recorde em 2013

A queda do regime taliban no Afeganistão já ocorreu há mais de uma década e, no entanto, o número de crimes violentos contra as mulheres não pára de crescer.

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Advogada espera que caso de Gulnaz sirva de precedente para muitas mulheres afegãs Bazuki Muhammad/Reuters

Os últimos dados de 2013 indicam um aumento de 25% nos casos de violência contra as mulheres, anunciou a Comissão Independente dos Direitos Humanos do Afeganistão (AIHRC). “É um choque absoluto que, após 13 anos da queda dos taliban, o número de vítimas não tenha diminuído”, sublinha o organismo num balanço apresentado no último fim-de-semana.

Segundo os números da comissão, só nos seis primeiros meses do ano solar (o calendário oficial afegão, que se inicia no equinócio da Primavera) foram registados 4154 casos de abusos cometidos contra as mulheres. Sima Samar, presidente da AIHRC, diz que a insegurança, os baixos níveis de escolaridade e a tradição são as principais causas da violência contra as mulheres.

Uma violência que se fez norma e que inclui tanto abusos físicos como coacção e perseguição psicológica. “Temos o caso de uma mulher que veio ter connosco e disse que era espancada, proibida de ir trabalhar e privada de comida” pela família, contou na altura Samar, citada pelo site de notícias afegão ToloNews.

A já muito precária situação das mulheres no Afeganistão atingiu mínimos inéditos durante o regime taliban (1996-2001) e os relatos da violência, do desprezo e de perseguição indignaram o mundo. As mulheres foram obrigadas a vestir a burka, manto que as cobria dos pés a cabeça, e proibidas de andar na rua sem ser acompanhadas por um homem da família, por não serem autorizadas a falar com estranhos. As raparigas foram proibidas de ir à escola e os abusos sexuais ocultados. Actualmente, as mulheres podem estudar e trabalhar em diversas áreas, nomeadamente na política, como é o caso de Husn Banu Ghazanfar, ministra afegã responsável pela pasta da Condição Feminina. As raparigas representam hoje 40% dos alunos inscritos.

No entanto, o número de crimes violentos contra as mulheres está a aumentar. De acordo com a Human Rights Watch (HRW), em 2012, 400 mulheres estavam presas por crimes morais que geralmente envolvem situações de violência doméstica ou fugir a casamentos forçados. E estudos recentes mostram que as mulheres afegãs continuam a deparar-se com barreiras culturais, religiosas e sociais.

Testemunhos como a história de uma rapariga que foi raptada e violada pelo seu próprio tio estão presentes num relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas para Mulheres (Like a Bird with Broken Wings – Afghan Women Oral History 1978-2008).

"Matar mulheres no Afeganistão é fácil. Não há punição", afirmou à Reuters Suraya Pakzad, outra activista dos direitos das mulheres que, em 2009, foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Time.

Sima Samar diz que a brutalidade dos casos é alarmante. "Há mulheres com narizes, lábios e orelhas cortadas. Há também vítimas de violações públicas”, disse a activista dos direitos humanos e médica afegã, denunciando aquilo que diz serem crimes “contra a dignidade, contra a humanidade”.

Samar receia que após a retirada das tropas da NATO, prevista para o final deste ano, o país sofra ainda mais retrocessos. “A presença da comunidade internacional transmite confiança à população afegã”, diz. A retirada internacional levará à saída de muitas ONG e à diminuição dos donativos, o que poderá colocar em risco os pequenos progressos dados no capítulo dos direitos humanos.

A lei para a eliminação da violência contra as mulheres (EVAW) “foi uma grande conquista para o Afeganistão, mas a sua aplicação é lenta. As autoridades afegãs necessitam de fazer mais para construir os meios necessários para proteger as mulheres”, disse recentemente a alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Navi Pillay, referindo-se à lei aprovada por decreto presidencial, em 2009 mas ainda não ratificada pelo Parlamento.
 

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