Águas paradas e uma tempestade

O temporal que varreu de norte a sul o país confrontou-nos de novo, de uma forma talvez mais brutal do que o costume, com a evidência da vulnerabilidade da nossa orla costeira.

E com a urgência de encontrarmos uma forma de nos adaptarmos a um oceano que as alterações climáticas estão a tornar cada mais perigoso e destruidor.

A tempestade Hércules diferenciou-se de outras por duas razões. Por um lado, fez-se sentir em toda a costa. Houve notícia de estragos da foz do Douro até Quarteira. Não foi uma tempestade localizada. Por outro, as baixas pressões fizeram subir o nível do mar em cerca de um metro e as ondas tinham uma duração superior à habitual. Some-se a isso as câmaras que hoje estão espalhadas por inúmeras praias e as imagens captadas por telemóveis e obtemos, além de uma tempestade incomum, múltiplos testemunhos da violência das ondas.

A tudo isto o país responde com águas paradas. Não que seja humanamente possível ter uma estratégia contra tempestades, mas é possível ter estratégias que nos permitam adaptarmo-nos a este vizinho imprevisível que é o oceano. O pior é quando essas estratégias até existem, mas tendem a ficar sepultadas na calmaria de um fundo de gaveta. Algumas das intervenções ontem anunciadas pelo ministro do Ambiente, Moreira da Silva, para a costa entre Ovar e Marinha Grande, uma zona particularmente sensível, fazem parte de um plano aprovado há 14 anos.

Mais grave é a tolerância que continua a existir para com a profusão de edificações em zonas de risco do litoral. Entre 2001 e 2011, a população que vive em freguesias junto ao mar aumentou 10%.

Nada disto é exactamente animador num país onde dois terços da linha de costa são susceptíveis de erosão, que a subida do nível do mar só agravará no futuro. Ainda não aprendemos, portanto, a lição. E o vigor da tempestade dos últimos dias deixou claro que é urgente uma mudança de atitude colectiva em relação à protecção da nossa costa.
 
 
 
 

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