Aberta inspecção a caso de doente com cancro que esperou dois anos por colonoscopia

Ministério da Saúde “lamenta profundamente” situação “intolerável” de doente de 60 anos que entre o rastreio e o exame no hospital aguardou tanto tempo que agora tem um tumor demasiado grande para ser operada.

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O Hospital Amadora-Sintra justifica o caso com a falta de recursos na área da gastrenterologia João Cortesão

Entre o rastreio que acusou a presença de sangue oculto nas fezes de uma doente de 60 anos e a colonoscopia que confirmou presença de um cancro colo-rectal passaram-se dois anos — o tempo necessário para o tumor estar numa fase tão avançada que neste momento não é operável. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde abriu uma investigação ao caso, disse ao PÚBLICO o Ministério da Saúde, que “lamenta profundamente” a situação que classifica como “intolerável”.

A história da doente foi avançada na edição desta quarta-feira do Diário de Notícias, que explica que, após o rastreio pedido pelo centro de saúde ter dado positivo, a mulher foi encaminhada para uma consulta de gastrenterologia no Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) para fazer uma colonoscopia, exame através do qual se consegue fazer o diagnóstico.

O tempo de espera para a consulta foi de um ano e até ao exame passou mais um ano. Quando veio o resultado, o cancro já era demasiado grande e agora a doente está a ser submetida a quimioterapia na esperança que o tumor reduza e que possa ainda ser operada. O hospital assumiu ao mesmo jornal o tempo de espera, que atribuiu à falta de recursos, por ter perdido vários médicos daquela especialidade nos últimos anos e por servir uma população de mais de 500 mil pessoas.

O director do serviço de gastrenterologia do hospital, Nuno Alves, disse que a única solução é fazer uma triagem e dar prioridade “quando há mais sintomas ou suspeitas”, situação em que por vezes se conseguem respostas no espaço de um mês – o tempo de espera indicado para todas estas situações, que nunca deveriam ultrapassar os dois meses.

O Hospital Fernando Fonseca decidiu, entretanto, abrir também um processo interno de inquérito para averiguar a situação, anunciou a instituição, citada pela Lusa. O hospital, que afirma ter "com grande preocupação" tomado conhecimento do caso, refere que o mesmo "contraria todas as boas práticas deste hospital que realiza mais de seis mil colonoscopias por ano e tem um método de referenciação que não permite que um doente sinalizado como urgente esteja mais de um mês sem realizar aquele exame".<_o3a_p>

A instituição de saúde decidiu abrir um processo de inquérito para "apurar, com rigor, o que aconteceu, para evitar que casos destes se repitam, assumindo, no entanto, toda a responsabilidade sobre eventual má prática". "A doente em causa está em processo de tratamento no nosso hospital, estando-lhe a ser dispensados todos os cuidados que a sua situação justifica", prossegue uma nota da unidade de saúde.<_o3a_p>

O Ministério da Saúde garantiu ao PÚBLICO que o caso está agora nas mãos da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e reconheceu a existência de problemas na área das colonoscopias “sobretudo na zona da Grande Lisboa, onde há muita pressão e pouca oferta”. Questionado sobre se fora dos hospitais, nas entidades que têm convenção com o Serviço Nacional de Saúde, os exames não se fazem por falta de vaga ou por o preço que as unidades recebem ser demasiado baixo — como já relataram alguns doentes — , a tutela disse que o ministro Paulo Macedo “está a averiguar” todas as possibilidades. 

Aliás, este problema já tinha sido referido algumas vezes no ano passado, com o ministro da Saúde a admitir em Novembro que a dificuldade na realização de colonoscopias na Grande Lisboa é “uma situação preocupante” e a prometer resolver a situação até ao final de 2013.

“A colonoscopia é uma situação preocupante, uma vez que há uma escassez anormal na oferta desse tipo de serviços. Vamos estar muito atentos para corrigir essa situação até ao final do ano e será a Administração Regional de Saúde de Lisboa a corrigir”, afirmou Paulo Macedo, na altura, à margem de uma conferência da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Associação de Luta Contra o Cancro do Intestino (Europacolon) disse que, efectivamente, o número de denúncias de casos de doentes que não conseguem realizar o exame reduziu em Dezembro, mas Vítor Neves recordou que “é um mês atípico”.

“O caso divulgado não era do nosso conhecimento e é dramático, gravíssimo e inconcebível. Uma semana após a presença de sangue oculto nas fazes pode fazer toda a diferença na vida do doente. Em Janeiro, vamos estar muito atentos e tentar perceber se o problema do acesso foi ou não resolvido”, disse Vítor Neves, assegurando que em muitos casos as clínicas recusam-se a fazer os exames através do SNS mas que, se o doente tiver dinheiro para os pagar de forma privada, já há vaga. Vítor Neves defendeu também a importância de existirem rastreios mas com consequências — caso contrário, é uma “perversão” o doente saber que tem alguma coisa mas não ter acesso ao passo seguinte.

ARS responde
Em declarações à agência Lusa, o presidente da ARS-LVT (Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT), Cunha Ribeiro, disse pretender ter, dentro de duas ou três semanas, uma estratégia definida para responder à dificuldade de realização destes exames, que servem de diagnóstico ao cancro colorrectal.    

As soluções que vierem a ser encontradas devem passar, segundo o responsável, pela "maximização da capacidade instalada nos hospitais públicos" e pelo recurso a entidades sociais e privadas, uma vez que o sector público não conseguirá ser suficiente.    

Sobre a dificuldade de realização de colonoscopias nos privados com convenção com o Estado, Cunha Ribeiro disse que o assunto também está a ser analisado, mas sem adiantar mais pormenores. O presidente da ARS lembrou ainda que o número de especialistas na região para realizar as colonoscopias é "insuficiente para as necessidades", um problema que não será possível resolver a curto prazo.    

Sobre o caso da doente que esperou dois anos para fazer uma colonoscopia, Cunha Ribeiro declarou que irá examinar o relatório que o hospital em causa, o Amadora-Sintra, vai realizar.    

Em Portugal há cerca de sete mil casos de cancro do intestino por ano e, em média, morrem 11 pessoas por dia com a doença. O rastreio é recomendado a partir dos 50 anos ou a pessoas com historial de doença na família. Sangue nas fezes e alteração no comportamento do intestino, como diarreia ou obstipação, são alguns dos sintomas de alerta.

Notícia actualizada às 17h06, acrescenta declarações do presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo

 

 

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