“Mañana, España no será republicana”

A 8 de Março, a infanta Cristina, em sétimo lugar na linha de sucessão ao trono de Espanha, vai responder em tribunal perante indícios sobre o seu envolvimento em branqueamento de capitais e fraude fiscal. É o mais grave desenvolvimento do denominado “caso Nóos”, que já se abateu sobre o marido da infanta, Iñaki Urdangarin. Depois do episódio da caçada aos elefantes no Botswana, em 2012, em tempos de austeridade, durante a qual o monarca espanhol partiu a bacia e se sentiu obrigado a pedir desculpas aos espanhóis, a monarquia nunca esteve em situação tão difícil. “Um martírio”, é como o chefe da Casa do Rei, Rafael Spottorno, classifica a situação.

O incómodo é evidente no Palácio da Zarzuela. A divulgação, pela imprensa, das investigações sobre a rede empresarial de Urdangarin, levou, mesmo, a uma operação inédita. Não só as fotos do casal desapareceram do site da Casa Real, como Cristina e Iñaki estiveram afastados de Espanha. De nada valeu esta estratégia. A justiça, embora lenta, continuou o seu trabalho. O genro mais querido de Juan Carlos não superou a barragem das investigações que o indiciaram de crimes fiscais nada consentâneos com as boas práticas e, muito menos, com o estatuto, que se quer impoluto, de um membro da família real.

Em 8 de Março, dia internacional da mulher, Cristina de Bourbón comparece em tribunal. O que, paradoxalmente, não deixa de ser uma mais-valia para a causa da defesa da monarquia constitucional espanhola. Num país em que os cidadãos têm a percepção da existência de patamares diferentes no sistema judicial consoante a notoriedade dos que lhe são submetidos, a declaração de Cristina Federica perante um juiz é um facto inédito. Acontece pela primeira fez em Espanha. O que reforça o princípio da igualdade perante a justiça e conforta a cidadania. Embora não esteja ainda deduzida acusação, não deixa de ser um foco negativo sobre a Casa Real. A ponderação social destas duas condicionantes ditará o sentido da opinião pública.

Se o “caso Nóon” escapa ao trabalho do staff da Zarzuela, já é da sua competência a gestão da imagem de Juan Carlos. Com o seu empenho na transição democrática, distanciando-se da condição de herdeiro de uma ditadura que lhe foi confiada por Francisco Franco, o rei que criou uma legião de juancarlistas. Monárquicos sem fé monárquica, mas adeptos do pragmatismo de quem ousou mudar a sociedade. É esta a causa da popularidade do monarca e da fortaleza da monarquia constitucional como ideário da construção de um futuro comum.

Este substrato ideológico não é de somenos importância quando as forças centrípetas do nacionalismo catalão lançam o desafio de um referendo independentista. Nunca como agora, a atitude e o prestígio de Juan Carlos foram tão necessários. Na segunda-feira, na cerimónia da Páscoa militar, o rei apareceu fisicamente recomposto da última operação à bacia, de 21 de Novembro. Mas o seu discurso foi titubeante. A leitura confusa. A imagem penosa. A Casa Real queria pôr fim aos debates na imprensa sobre a abdicação de Juan Carlos a favor do seu filho Felipe. Missão não superada, embora os analistas considerem que os danos não são irremediáveis. “Las cosas de Palácio van despacio”, diz um refrão espanhol. O desenvolvimento das questões monárquicas tem o seu tempo, que se quer imune às pressões da imprensa.

Ainda mais aventureiro será considerar todos os episódios, casos e vicissitudes que têm acompanhado, nos últimos cinco anos, a Casa Real, como fermento de uma mudança de regime. A Espanha é juancarlista porque a transição esmagou os fantasmas da República que desembocaram numa orgia de violência da mais sangrenta guerra civil do século passado. E a Espanha, campeã do desemprego, com pulsões nacionalistas e aumento das desigualdades sociais e regionais, tem tarefas mais urgentes que uma hipotética e redentora mudança de regime.“España, un dia, será republicana”, é o slogan de longo prazo que os republicanos gritam nas ruas. Mas a certeza é que “España, mañana, no será republicana”.
 

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