O grande falcão de Israel está um pouco mais perto da morte

O homem que fez todas as guerras e surpreendeu ao retirar de Gaza está há oito anos em coma.

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Ariel Sharon numa imagem de 2003 GALI TIBBON/AFP

Foi o grande sobrevivente da política israelita e há exactamente oito anos que vive em “estado vegetativo persistente”, depois de um grave acidente vascular-cerebral. Ariel Sharon, o buldozzer, o falcão, Arik, “é um homem muito forte e saiu de situações muito difíceis no tempo em que esteve no nosso hospital”, recordou esta quinta-feira Zeev Rotstein, director do hospital de Tel Hashomer, em Telavive. “Mas os médicos que o tratam e os familiares que o acompanham notaram uma mudança para pior. Todos crêem que se trata de uma grave deterioração.”

O AVC que deixou Sharon em coma aconteceu a 4 de Janeiro de 2006. Um mês antes, tivera um ataque menor, “um leve derrame cerebral”. No seu último ano de actividade, no seu segundo mandato como primeiro-ministro, o campeão dos colonatos surpreendeu o mundo e a direita ultranacionalista de Israel com a retirada da Faixa de Gaza, após 38 anos de ocupação. 2005 foi também o ano em que abandonou o partido Likud e fundou o Kadima – tinha marcado eleições antecipadas e parecia caminhar para a reeleição quando foi hospitalizado.

O diário israelita Ha’aretz escreve que a morte de Sharon, hoje com 85 anos, é uma questão de dias. Sabe-se que teve uma falha renal recente e que os médicos decidiram que não faria diálise pelos riscos que isso significaria para a sua vida. Passou duas semanas nos cuidados intensivos e foi operado de emergência, tendo estabilizado antes deste último revés. Vários órgãos vitais, incluindo os rins, estão agora a falhar, confirmou Zeev Rotstein numa conferência de imprensa. “Se fosse um só órgão afectado seria diferente, mas Sharon tem problemas em vários órgãos.”

Nestes anos, o ex-chefe de Governo foi tratado em vários centros médicos e até chegou a passar uma temporada no seu rancho do deserto do Negueve. Há um ano, os médicos detectaram um aumento da actividade cerebral, mas o chefe de guerra nunca voltou a estar consciente do seu estado. Gilad e Omri, os dois filhos que decidiram mantê-lo vivo com assistência médica, têm estado com ele nestes últimos dias. “Temos esperança, temos sempre esperança”, disse Omri, citado pelo Jerusalem Post.

“Todos os norte-americanos pensam em Israel e no seu antigo dirigente. Lembramos os sacrifícios que ele fez para assegurar a paz e o bem-estar de Israel”, afirmou o secretário de Estado de Barack Obama, John Kerry, ao lado do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. Kerry aterrou em Israel para mais uma visita e mais uma tentativa de relançamento das negociações de paz entre israelitas e palestinianos.

Um ícone para Israel, terrível para os palestinianos

“Vai ser lembrado como o último dos combatentes e dos fundadores israelitas da sua geração”, disse sobre Sharon à agência Reuters Dedi Cohen, advogado de 38 anos. “Era um buldozzer que fazia as coisas acontecer. Era controverso, eu sei, mas tinha valores. Defendia coisas, isso faz-nos falta hoje.” Raanan Gissin, ex-assessor de Sharon, diz dele apenas que “era um ícone de Israel”.

“Ariel Sharon vai pelo mesmo caminho que outros tiranos e criminosos que têm as mãos cobertas de sangue palestiniano”, comentou em Gaza um dos líderes do Hamas, Khalil al-Hayya. Gaza e Cisjordânia podem ser duas realidades, mas ambas olham para Sharon da mesma forma: “É uma pessoa terrível”, disse à Reuters Rauf Ramia, funcionário no campo de refugiados de Qalandia.

Todas as guerras, Sabra e Chatila

O homem que fez todas as guerras – preparou e liderou a invasão do Líbano, em 1982; antes, fundou e comandou a unidade 101 dos comandos e unidades de pára-quedistas que tinham como missão responder com força a ataques fronteiriços depois da declaração de independência de Israel, em 1948; na guerra do Yom Kipur, em 1973, cruzou o Suez para cercar as forças egípcias – surpreendeu ao retirar de Gaza. Ele, que tinha provado a construção de 100 novos colonatos na Palestina ocupada, retirou unilateralmente da Faixa, expulsando 9000 colonos à força. A medida enfureceu os colonos e a direita, mas enfraqueceu os moderados palestinianos.

Em 2000, tinha feito desencadear a segunda Intifada com uma visita ao Pátios das Mesquitas de Jerusalém, o terceiro lugar sagrado para o islão – nada de especial, disse, só uma pequena batalha de “uma guerra de 100 anos”. Sharon foi fundamental para tanto em tantos momentos que é difícil não deixar nenhum de fora: também foi ele que iniciou a construção do muro de separação entre Israel e a Cisjordânia.

O homem que o coma prolongado fez cair no esquecimento será lembrado por muito. Por Sabra e Chatila, por exemplo, os nomes dos campos palestinianos de Beirute onde centenas de pessoas foram massacradas por milicianos cristãos libaneses aliados de Israel, em 1982. Uma comissão de investigação responsabilizou o então ministro da Defesa por ter deixado acontecer a chacina e Sharon teve de se demitir. Desapareceu de cena, mas irrompeu de novo para ser eleito triunfalmente primeiro-ministro, em 2001.
 
 
 
 
 
 
 

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