Khodorkovski não guarda rancores, mas diz que não volta à Rússia

Na sua primeira conferência de imprensa como um homem livre, o ex-oligarca diz que se vai dedicar a pagar "a dívida de gratidão com as pessoas que ainda estão em reclusão”

Foto
Khodorkovski diz que tem "o suficiente para viver" Steffi Loos/Reuters

Com os cartazes da casa-museu Checkpoint Charlie de Berlim como pano de fundo, e a voz ocasionalmente embargada, o ex-oligarca russo do petróleo, Mikhaïl Khodorkovski, que viajou para a Alemanha depois de ser agraciado com um perdão presidencial que pôs termo à sua pena depois de dez anos de encarceramento, manifestou a sua gratidão por voltar a ser um homem livre e garantiu que não sente ódio de Vladimir Putin – o homem que responsabiliza pessoalmente pela sua prisão.

“Sou um homem pragmático”, explicou o antigo homem forte da petrolífera Yukos, a maior produtora russa e cujo desmantelamento, após a sua prisão por fraude e evasão fiscal, deu origem à Rosneft, a gigante estatal dirigida por um aliado de Putin. Khodorkovski foi resistindo às perguntas dos jornalistas internacionais que lhe pediam uma opinião sincera sobre o Presidente da Rússia, mas quando um repórter do Azerbeijão quis saber se estava disposto a perdoá-lo ou pelo contrário pretendia vingar-se, fez questão de esclarecer que não alimentava ódios nem rancores.

Segundo explicou, esses sentimentos não fariam sentido perante o “tratamento humano” que as mesmas autoridades que o atiraram para a cadeia revelaram para com os seus familiares, a quem “nunca tocaram”. “Eles não sofreram, puderam continuar a ter uma boa vida”, observou, pelo que “eu não tinha de ter emoções desproporcionadas”.

No seu primeiro contacto com a imprensa mundial após dez anos de prisão numa colónia penal do Ártico, Mikhaïl Khodorkovski foi cauteloso o suficiente para não “incomodar” demasiado o líder russo – “um homem difícil” – mas não tanto que não tenha deixado vincadas as críticas e divergências que o tornaram o mais famoso preso político da Rússia: “Há coisas de que não gosto, certos excessos”, referiu. “Ninguém deve olhar para mim como um símbolo. Eu não era o único prisioneiro político nas cadeias russas, e os líderes internacionais que lidam com o Presidente Putin devem estar conscientes disso”, sublinhou – apesar de mais tarde ter manifestado a sua convicção de que a sua libertação não terá a mínima influência nas relações diplomáticas dos países ocidentais com a Rússia.

Sobre a sua presença em Berlim, revelou não ter “tido escolha”. “Eram duas da manhã quando o comandante do meu campo de detenção me acordou a dizer que ia sair, e só a meio da viagem soube que o itinerário terminaria em Berlim, na melhor tradição da década de 70”, relatou, numa alusão à Guerra Fria (não por acaso, já que Khodorkovski falava no local mais simbólico da divisão Este/Oeste dos dois grandes blocos em confronto).

A libertação (negociada nos bastidores, durante dois anos, pelo antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros Hans-Dietrich Genscher) não foi totalmente inesperada, mas mesmo assim constituiu uma surpresa: “A primeira vez que essa possibilidade foi discutida foi a 12 de Novembro, quando os meus advogados me informaram que o Presidente Putin não levantaria objecções se eu entregasse um pedido de clemência sem qualquer tipo de condições”, reconstituiu. O ex-oligarca frisou que “nos últimos cinco anos” rejeitara todas as propostas para submeter um pedido de perdão por compreender que tal iniciativa correspondia a uma admissão de responsabilidade pelos crimes que lhe foram imputados. “Para mim não seria um problema de princípio pedir perdão, mas nunca o poderia fazer por não estar disponível para admitir qualquer culpa no processo Yukos”, esclareceu.

É esse processo – “que destruiu centenas se não mesmo milhares de vidas de pessoas inocentes” – que impede Khodorkovski de voltar ao seu país de origem. “Disseram-me que podia regressar a qualquer momento, mas não tenho nenhuma garantia que se o fizesse poderia voltar a sair”, notou, dizendo que só uma decisão do Supremo Tribunal pode invalidar uma sentença de 2005 de um juízo de primeira instância que tem agregada uma injunção para o pagamento de 550 milhões de dólares alegadamente devidos ao fisco.

Por isso, o magnata de 50 anos deverá permanecer na Alemanha com a família. Khodorkovski tem “um visto com a duração de um ano” e o desejo de “devotar o tempo que me resta a pagar a minha dívida de gratidão com as pessoas que ainda estão em reclusão” – um número indeterminado de prisioneiros do regime de quem se constituiu uma espécie de defensor público, num novo papel de activista pela democracia.

“Não tenho vontade de voltar ao mundo dos negócios e a minha situação financeira não exige que trabalhe para ganhar mais dinheiro. E não tenciono envolver-me em nenhuma luta política pelo poder”, assegurou. “Mas preocupo-me com as pessoas na sociedade russa e gostaria que todos pudessem ter uma vida melhor. Era importante para o país”, considerou.

Sugerir correcção
Comentar