Mandela, De Klerk e a moral de perdoar

Foto
DR

Já passaram alguns dias desde a partida de Mandela, e é já possível escrever algumas palavras de forma menos emocionada sobre Madiba, como carinhosamente lhe chamamos. Confesso que vejo Mandela partir sem ter cumprido o meu sonho de o ter conhecido pessoalmente e simplesmente ter tido a oportunidade de um simples gesto como o de tocar-lhe na mão. Invejo, no bom sentido, todos aqueles que tiveram o enorme privilégio e honra de tê-lo feito.

Há poucas pessoas na vida que me inspiram, que me fazem emocionar, que deixam os olhos em lágrimas de cada vez que se pronuncia o seu nome ou vejo a sua imagem. Uma é o meu pai, a outra é, e sempre será, Nelson Mandela.
Hoje já muito se escreveu sobre a sua vida, o seu percurso, como político, advogado, como ativista dos direitos humanos, sobre a sua vida enquanto prisioneiro mas também como Presidente, sobre o seu papel enquanto pai, marido, sobre os seus defeitos mas sobretudo sobre as suas virtudes. A primeira biografia que li sobre Mandela, e a que mais influencia a minha imagem sobre Madiba, é da autoria de Jack Lang, o ex-ministro da Cultura de França, um destacado dirigente socialista francês.

Foram precisamente essas palavras lidas em francês que me revelaram o carácter mais humanista e um dos mais fortes traços da sua personalidade e, quiçá, o maior legado que Mandela nos deixa: a capacidade de perdoar.

Como recentemente recordava Bernardo Ivo Cruz, Mandela impediu pela "palavra e pelo exemplo, que anos de apartheid fossem substituídos por anos de vingança e, quem sabe, por um banho de sangue".

Curiosamente, muitos dos que hoje enchem a boca a usar Mandela como exemplo, por contraponto a muitos outros líderes, são os primeiros a esquecer os principais mandamentos da "doutrina" de Mandela: a capacidade de perdoar, a tolerância, o não recurso à vingança, o respeito pela opinião dos outros, o bom senso e a boa-fé, entre muitas outras qualidades. Infelizmente em Portugal alguns não optaram por esse caminho, não são dignos de seguir ou de ousar proclamar Mandela.

Mas há outro lado da história que não podemos ignorar, trata-se do enorme papel e responsabilidade do seu mais importante parceiro, Frederick De Klerk, o Presidente que libertou Mandela, o Presidente que decretou o fim da segregação racial na África do Sul. Se foi um gesto de enorme coragem e bom senso evitar a vingança sobre os brancos, após a libertação do apartheid, também terá sido um gesto de grande coragem e determinação dar o passo, do lado branco, que permitiu a união entre um homem preto e um homem branco, onde juntos e em plena televisão, apertaram as mãos em sinal de respeito e união por um mesmo país, pelo país de ambos.

Se é impossível esquecer que  De Klerk foi o último Presidente do apartheid, contudo também é justo lembrar que foi sob sua autoridade que tal vergonha conheceu o seu fim.

A força da mensagem de Mandela assenta sobretudo na liberdade e numa doutrina de tolerância e perdão, mais do que numa ideia de luta e de guerra. O seu testemunho é claramente um sinal de união, harmonia e igualdade de oportunidades, é mais do que um reconhecimento apenas ou a afirmação de uma doutrina ou raça. A sua liderança sempre se afirmou pelo exemplo, pelas suas características pessoais que se tornaram símbolos políticos. A sua capacidade de persuadir os seus a praticar uma moral da tolerância, após anos e anos de  injustiças e de sangue derramado, se inicialmente pode ter soado a traição, a realidade é que, a prazo, resultou na salvação de milhares de vidas. 

Tal só foi possível porque a principal força de um homem é o seu carácter e Mandela era, acima de tudo, um Homem com um carácter indestrutível, mesmo tendo passado por anos de clausura, de tortura, de trabalhos forçados.


É por isso que hoje e sempre, na vida como na acção política, há duas características que distinguem as pessoas: a nobreza do carácter e a sua credibilidade. É por isso que respeito tanto essas duas pessoas de grande valor, essas duas referências que continuam a fazer-me emocionar.

Deputado do PSD
 
 

Sugerir correcção
Comentar