O que faremos agora com a dieta mediterrânica?

Inscrita esta semana como Património Imaterial da Humanidade, a dieta mediterrânica tem agora que ser estudada, inventariada, divulgada, protegida. A quem cabe a responsabilidade de o fazer?

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rui gaudêncio

A inscrição da dieta mediterrânica na lista do Património Imaterial da UNESCO, no dia 4, abre oportunidades e cria obrigações. O que está previsto na documentação entregue na UNESCO é que sejam tomadas medidas de salvaguarda deste património pelos sete países envolvidos na candidatura: Portugal, Croácia e Chipre, Espanha, Marrocos, Itália e Grécia.

Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, e que esteve envolvido na preparação da candidatura, defende que a partir de agora se deveria avançar para medidas muito práticas. Em primeiro lugar “a identificação de práticas alimentares ligadas à dieta mediterrânica que estão dispersas” – ou seja um inventário nacional do que existe realmente a nível de produtos, técnicas de confecção, de produção, de conservação.

Jorge Queiroz, director do Museu de Tavira e coordenador da candidatura, explica que “a realização de inventários nos países e a existência de planos de salvaguarda” são duas das condições impostas pela UNESCO. No caso de Portugal, existe um plano nacional de inventário de todo o património imaterial, da responsabilidade da secretaria de Estado da Cultura, o Museu de Tavira está a fazer esse trabalho a nível local e outras regiões poderão tomar essa iniciativa.

Quanto ao plano de salvaguarda que envolve todos os países, está agora a ser discutido entre os vários representantes. Não se trata apenas de alimentação, sublinha Jorge Queiroz, mas sim de um estilo de vida. “Não sei se isto está muito claro para as pessoas, mas o que a UNESCO inscreve é um modelo cultural que passa pelas comunidades, pela partilha da mesa, pelas festividades”. E enumera as iniciativas de Tavira nesse campo, desde a primeira Feira da Dieta Mediterrânica à exposição Dieta mediterrânica: património cultural milenar.

Uma das características desta candidatura transnacional é que os países estão representados por comunidades, e estas é que são o rosto do projecto: Tavira por Portugal, Agros por Chipre, Brac e Hvrar pela Croácia, Soria por Espanha, Coroni pela Grécia, Cilento por Itália, e Chefchaouen por Marrocos. As comunidades têm a obrigação de organizar iniciativas que dêem visibilidade à dieta mediterrânica – em Itália, por exemplo, existe o Museu Vivo da Dieta Mediterrânica Ancel Keys, e em Espanha a Fundação Dieta Mediterrânica, na Catalunha.

Mas a nível nacional, como é que as coisas se passam? Em geral são os ministérios da cultura os coordenadores gerais, com excepção de Itália, em que é o Ministério das Políticas Agrícolas. Na candidatura portuguesa, coordenada pela Câmara Municipal de Tavira, estiveram envolvidos vários ministérios - a Agricultura, a secretaria de Estado da Cultura, a Saúde. Na opinião de Pedro Graça era importante que este grupo interministerial se transformasse agora num grupo de acompanhamento das questões ligadas à dieta mediterrânica, que precisa de uma estratégia articulada (Jorge Queiroz esclarece que Portugal está neste momento a debater como será feita, de agora em diante, a coordenação a nível nacional).

Para além do inventário, é fundamental a investigação. “É importante que haja apoio a linhas de investigação ligadas a este tema, que está já a ser estudado com muita força em Itália, em Espanha, na Grécia. É preciso estudar as implicações da dieta na população portuguesa, porque há especificidades”, defende Pedro Graça. “Os espanhóis estão muito à frente nesse trabalho e estão a articulá-lo com os norte-americanos da Califórnia, que têm muito interesse neste tema”.

Outro ponto essencial é o da divulgação. Um estudo apresentado em Maio pela Fundação Portuguesa de Cardiologia revelava que metade dos portugueses não sabe o que é a dieta mediterrânica. Virgílio Gomes, investigador e autor de livro sobre a história da alimentação e a gastronomia, diz que “felizmente que Portugal aderiu ao projecto da candidatura” (houve uma candidatura inicial em que o país não estava envolvido), mas lembra que “a palavra dieta é confusa para muitas pessoas e é preciso explicar que é mais uma forma de estar do que um rigor alimentar”.

Defende que se deve usar esta inscrição na lista da UNESCO para “fazer pedagogia, explicar os benefícios e evitar algumas modernices da cozinha rápida de hoje, ensinar as pessoas a reduzir a quantidade de carne, e abandonar as gorduras desnecessárias”, no fundo, aproximar a nossa alimentação daquelas que são já as práticas da nouvelle cuisine, “com o respeito pelas cozeduras exactas, a redução das gorduras” – e usar para essa pedagogia, entre outras coisas, as escolas de hotelaria e os refeitórios das escolas nacionais.

Maria Proença, fundadora do Centro de Artes Culinárias do Mercado de Santa Clara, em Lisboa, e há muito tempo estudiosa das práticas tradicionais da cozinha portuguesa, acredita que “tem sido feito um caminho que não é muito institucional no sentido de valorizar certas práticas, tradições, produtos”, mas lamenta a falta de uma política concertada. “Aqui no centro estamos a tratar precisamente deste património, da história da alimentação, seria natural que alguma entidade oficial se mostrasse interessada, já não digo que apoiasse, mas que aparecesse nos eventos, mas não temos qualquer sinal de interesse institucional pelo trabalho que fazemos”.
 
 
 
 
 

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