Governo apoia-se em norma transitória para aplicar acordo com UGT

Dirigentes sindicais consideram solução confusa e duvidam da sua legalidade. Norma refere que professores que "não obtenham aprovação na prova podem ser admitidos aos concursos de selecção e recrutamento de pessoal docente"

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Professores fazem acção a 3 de Setembro nos centro de emprego Nuno Ferreira Santos (arquivo)

Afinal a proposta da maioria, que altera o decreto-lei que regulamenta a prova de avaliação de conhecimentos e competências para professores, ontem entregue no Parlamento a propósito do acordo do Governo com a Federação Nacional de Educação (FNE) - da central sindical UGT - não serve para este ano.

Foi o deputado centrista Michael Seufert que explicou ao PÚBLICO que as normas aí contantes eram “importantes sobretudo para os anos vindouros”.

Para este ano, o Governo vai recorrer a uma norma transitória que consta do decreto regulamentar para justificar a aplicabilidade do acordo celebrado com o sindicato da UGT. No entendimento da direita, a actual legislação já permite isentar da prova os professores contratados com mais de cinco anos ao estabelecer que os professores que não tiverem nota podem continuar a dar aulas.

Perante as dúvidas suscitadas durante o debate parlamentar, a maioria citou o comunicado do Ministério da Educação. Nesse documento era referido que o ministério tencionava publicitar “muito rapidamente os aspectos práticos desta decisão [isentar docentes com 5 ou mais anos de docência], nomeadamente, as condições de reembolso dos candidatos inscritos e agora isentados, e a alteração legislativa necessária para concretização do entendimento alcançado. Frisamos contudo que a legislação actual permite já enquadrar este entendimento, necessitando de concretização para o futuro”.

Essa escapatória está numa norma transitória no decreto-regulamentar que fixa o regime da prova. Onde está definido, literalmente, que “os candidatos com cinco ou mais anos de serviço docente que não obtenham aprovação na prova podem ser admitidos aos concursos de selecção e recrutamento de pessoal docente que se realizem até 31 de Dezembro de 2014”.

Aquela formulação levou a Associação Nacional dos Professores Contratados a perguntar se aqueles docentes estavam dispensados da prova. Por escrito, em resposta ao PÚBLICO, o ministério viria a confirmar que não seria exigida a obtenção da menção "aprovado na prova" aos professores com cinco ou mais anos de serviço. Reiterou, no entanto, que isso não significava "dispensa da sua realização", pelo que os professores não aprovados deveriam fazer “nova prova e obter aprovação no decurso do ano de 2014 se se quiserem candidatar aos concursos de selecção e recrutamento a partir do ano de 2015".

Mas os dirigentes sindicais contestam a legalidade da solução. Em declaração ao PÚBLICO, Mário Nogueira reiterou que “a única forma legal de fazer a prova será adiá-la, até que nova legislação entre em vigor”. “Neste momento, quando muito os professores com cinco ou mais anos de serviço podem ir fazer a prova e entregar a folha em branco. Tudo o resto será mais uma trapalhada em cima de outras trapalhadas, que não dá segurança aos docentes que o MEC diz estarem dispensados” frisou.

Na sua perspectiva, essa segurança estará em causa se o MEC pretender dispensar os docentes que têm mais de cinco anos de serviço “com base na norma transitória”, “ao arrepio do que está escrito no decreto-lei e do que tem sido afirmado pelos membros do Governo”.

“Nós não vamos prejudicar os colegas que têm cinco ou mais anos de serviço, não iremos apresentar qualquer contestação, naturalmente. Mas imaginem que, mesmo a título individual, um professor obrigado a fazer a prova contesta a dispensa dos colegas com base numa norma de legalidade duvidosa e que os tribunais lhe dão razão – que acontece a quem faltou?”, questiona o dirigente da Fenprof.

O presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), César Israel Paulo, escusou-se a comentar aquela possibilidade. “Isto está demasiado confuso. Terei de analisar tudo com atenção e depois pronunciar-me-ei”, disse. Afirmou o mesmo sobre o aviso que será publicado pelo IAVE e no se esclarece que a devolução do montante pago na inscrição será feita na sequência da manifestação da intenção dos professores de não realizarem a prova.

Ao mesmo tempo, o ministério fez saber que professores sem vínculo com cinco ou mais anos de serviço que já se tenham inscrito na prova de avaliação de conhecimentos e competências e que “não a pretendam realizar”, “terão de proceder à manifestação dessa intenção”, entre esta sexta-feira e as 18h da próxima segunda, para ficarem dispensados de a fazer no dia 18 e para a recuperarem o dinheiro gasto na inscrição.

O esclarecimento foi feito pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) através do gabinete de imprensa, que esclarece que intenção deve ser manifestada através da plataforma do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE). Aos que o fizerem será devolvido o montante pago no acto da inscrição (no mínimo 20 euros), segundo consta do aditamento ao aviso de realização da prova de avaliação de conhecimentos e capacidades que, segundo o gabinete de imprensa do MEC, será publicado ainda esta quinta-feira pelo IAVE.


A proposta de alteração, apresentada ontem pelos deputados do PSD e do CDS para “tornar efectivo o acordado” entre a Federação Nacional de Educação (FNE) e o Ministério da Educação e Ciência, é ligeiramente diferente do que foi tornado público esta segunda-feira. Caso a alteração legislativa venha a ser aprovada, ficam dispensados de realizar a prova todos os professores que, cumulativamente, tenham completado cinco ou mais anos de serviço docente até 31 de Agosto do ano escolar anterior, tal como fora anunciado, e que também “não tenham obtido na avaliação do desempenho docente menção qualitativa inferior a Bom, ou equivalente.”

Contactado pelo PÚBLICO, o dirigente da Federação Nacional de Educação (FNE), João Dias da Silva, que se encontra em Viseu, desvalorizou a segunda condição, frisando que de entre os professores avaliados "haverá 3,4,5 ou 6 que não foram classificados com Bom, pelo menos". Por outro lado, frisou, a formulação permite que "os docentes do sistema público que por qualquer razão não foram avaliados, bem como os do privado (que não estão sujeitos ao mesmo regime de avaliação) fiquem também dispensados da prova desde que tenham cinco ou mais anos de serviço", disse. "Quem não foi avaliado não terá tido qualquer classificação, inferior ou superior a Bom, pelo que para esses essa condição não altera seja o que for", disse.

Em causa está uma prova que começou por ser chamada de ingresso na profissão e que estava prevista no Estatuto da Carreira Docente desde 2007, mas nunca chegou a ser implementada. A legislação de 2010 definia que os professores que tivessem exercido a profissão e tivessem sido avaliados com pelo menos Bom estavam dispensados da prova. Este Verão, contudo, o ministério de Nuno Crato alterou os requisitos.

Após uma negociação com os sindicatos que terminou sem acordo, criou a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades, obrigatória para todos os professores sem vínculo que quisessem candidatar-se a dar aulas no próximo ano lectivo. Esta segunda-feira, no entanto, chegou a acordo com a Federação Nacional de Educação e mais dois sindicatos da UGT, que aceitaram suspender as manifestações de protesto em troca da dispensa da prova dos profissionais com cinco ou mais anos de serviço, o que corresponde a mais de 25 mil dos 43 606 professores sem vínculo que este ano se candidataram a dar aulas.

Esta quarta-feira, o secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, havia afirmado que para cumprir a lei e o acordado com a Federação Nacional de Educação (FNE), o Ministério da Educação e Ciência (MEC) teria de anular a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades marcada para o dia 18, que já não seria realizada em 2013. Isto, explicou, porque a alteração ao Estatuto da Carreira Docente (ECD) por parte do Governo obrigaria a reabrir a negociação com os todos os sindicatos e a levar o diploma a Conselho de Ministros, antes da promulgação pelo Presidente da República.

A alteração introduzida pela maioria PSD/CDS é assim a solução para ultrapassar a obrigatoriedade da negociação. A oportunidade surgiu na tarde desta quinta-feira, uma vez que o decreto-lei que altera o ECD esteve em apreciação, devido a duas petições e também a uma proposta de revogação de vigência do diploma, que havia sido apresentada pelo PCP.

Ainda assim, os deputados que suportam o Governo não deixaram de manifestar internamente o seu incómodo. Todo o processo criou mal-estar na bancada do PSD não só pela proposta inicial como do posterior recuo sobre os docentes abrangidos. O tema esteve em debate esta quinta-feira na reunião da bancada social-democrata. Os deputados não esconderam o incómodo pelo recuo do ministro ao excepcionar da prova os professores com mais de cinco anos de ensino, depois de inicialmente ter decidido que eram todos os professores contratados. Houve quem questionasse a gestão política da medida, já que o recuo acabou por não acalmar os ânimos e manteve as manifestações.

com Graça Barbosa Ribeiro e Sofia Rodrigues 

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