Prémio PT para José Luiz Passos, o escritor que vive a lusofonia quotidianamente

O brasileiro, que vive em Los Angeles, venceu prémio com o romance O Sonâmbulo Amador

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José Luiz Passos
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Eucanaã Ferraz, José Luiz Passos e Cíntia Moscovich

O escritor brasileiro José Luiz Passos, professor na Universidade da Califórnia nos Estados Unidos, foi o grande vencedor da noite de atribuição dos prémios Portugal Telecom de Literatura. Com O Sonâmbulo Amador recebeu o prémio na categoria de melhor romance e também o Grande Prémio Portugal Telecom 2013, escolhido entre os vencedores das diferentes categorias: romance, poesia e conto.

Quando subiu, quarta-feira à noite, ao palco do auditório Ibirapuera, em São Paulo, no Brasil, para receber o prémio de melhor romance, dedicou-o à mãe e à irmã, presentes na sala, à mulher que ficou com os filhos na Califórnia, onde a família vive há 18 anos, e à filha Cecília que lhe tinha dito por Skype que ele ia receber o prémio: fora uma “premonição”.

Lembrou que são tantas as pessoas por trás de um livro que não teria tempo de agradecer a todas. Quebrou o protocolo dizendo que não poderia demorar-se muito tempo nos agradecimentos porque “lá fora, no estacionamento, com o carro ligado, [a actriz] Débora Falabella" o aguardava.

Explicou que O Sonâmbulo Amador conta a história de “alguém que ficou para trás de certa maneira congelado no tempo e que tenta se refazer inventando uma história para o próprio eu – inventando inclusive sonhos”. Editado no Brasil pela Alfaguara, foi escolhido pelo júri do Prémio Portugal Telecom de Literatura entre os finalistas nesta categoria que incluíam os romances O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe (Cosac Naify), que foi o vencedor da edição do ano passado; Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera (ed. Companhia das Letras, que em Portugal a Quetzal irá publicar em Janeiro), e A Máquina de Madeira de Miguel Sanches Neto (ed. Companhia das Letras).

O Sonâmbulo Amador conta a história de um funcionário da indústria têxtil pernambucana internado numa clínica psiquiátrica, cujos sonhos se misturam com acontecimentos políticos do fim da década de 1960. É o segundo romance deste contista, ensaísta e dramaturgo que nasceu em Catende, Pernambuco, em 1971, e vive em Los Angeles, onde dá aulas na Universidade da Califórnia.

“A ideia de O Sonâmbulo Amador é uma ideia que me foi dada, me foi passada pelo meu pai, pelos diários de internação numa clínica de auxílio psiquiátrico que eu encontrei anos depois da morte dele”, explicou o escritor na cerimónia que foi transmitida em directo através do site oficial do prémio.

Retomou a frase que momentos antes o poeta carioca e académico Eucanaã Ferraz dissera quando o chamaram ao palco para receber o Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa na categoria de poesia com o seu sexto livro, Sentimental (editado pela Companhia das Letras): “O momento é ao mesmo tempo uma bênção e aterrorizante.” E brincou ao contar que para lhe dar sorte “raspou” parte da sua barba que estava ensopada de sangue [numa alusão ao título do livro de Daniel Galera considerado um dos favoritos ao prémio]. “Funcionou!”

Não deixou de lembrar que este prémio o honra particularmente, porque, apesar de viver nos EUA, vive num espaço “eminentemente lusófono”. “O chavão do verso ‘minha pátria é minha língua’, para mim, é tão literal e verdadeiro que chega a ser vergonhoso. Morando há 18 anos na Califórnia, onde eu convivo com a diáspora de emigração portuguesa, açoriana, em São Leandro, perto de Berkeley, e em São José, no Sul da Califórnia. Para mim o contacto com a literatura portuguesa e africana de expressão portuguesa é particularmente quotidiano. E por isso esse prémio significa muito mais do que vocês possam imaginar. Muito obrigado”, disse.

José Luiz Passos nem sabia ainda que pouco depois, já sentado na plateia, iria ver Zeinal Brava, presidente da Oi e da PT Portugal, olhar para o cartão que tinha em mãos depois de aberto o envelope com o nome do grande premiado da noite - escolhido entre as obras vencedoras em cada categoria: romance, poesia e conto  e dizer-lhe: “Bom, eu acho [José Luiz Passos] que a sua filha tinha mesmo razão. [O vencedor é ] O Sonâmbulo Amador. Parabéns!”

No palco José Luiz Passos nem sabia o que dizer. Agradeceu a António de Assis Brasil, o académico e escritor brasileiro que o conheceu era ele professor em Berkeley e leu a primeiríssima versão do primeiríssimo capítulo do seu primeiro romance. Agradeceu também ao amigo Marcelo Ferroni – seu editor na Alfaguara –, cuja mão sensível o ajuda a cada passo. 

De certa maneira, com este romance e com a atribuição deste prémio, sente que se fecha um círculo. “O círculo de quem, de alguma maneira, está longe há 18 anos; o círculo de quem educa uma filha em duas ou três línguas; o círculo de quem reencontra o pai num arquivo e refaz a memória dele inventando uma personagem que também busca se encontrar interpretando os seus próprios sonhos, mas carecendo de uma linguagem para esse eu.”

O Sonâmbulo Amador é um pouco isso, é alguém que se observa de longe e tenta se reinventar enfrentando esses fantasmas. Eu sou de certo modo um estranho para a maioria de vocês, não circulo no Brasil, mas vivo esse aspecto palpável e real do que é a lusofonia – inclusive num país que não é de língua portuguesa. E se me é permitido dedicar mais esse prémio – já que o outro foi para a minha filha, eu o dedicaria a todos os emigrantes que fora dos seus países falam a sua própria língua e mantêm a língua viva. E aos alunos que [nos outros países] querem aprender línguas estrangeiras.”

A outra vencedora da noite, além de José Luiz Passos e de Eucanaã Ferraz, foi Cíntia Moscovich. O seu livro Essa Coisa Brilhante Que É a Chuva (Record) venceu na categoria de conto. A  brasileira nasceu em 1958, em Porto Alegre, e tem alguma da sua obra publicada em Portugal (o livro de contos Arquitectura do Arco-Íris e o romance Duas Iguais na Bico de Pena por exemplo). No Brasil está presente nas colectâneas 25 Mulheres Que Estão fazendo a Nova Literatura Brasileira (organizada por Luiz Ruffato) e Os Melhores Contos Brasileiros do Século (organizada por Ítalo Moriconi); a editora portuguesa Quasi integrou-a na antologia de contistas portugueses e brasileiros Putas


A esta edição do prémio concorreram 450 livros, todos publicados no Brasil em 2012. Os vencedores de cada categoria receberam 50 mil reais (cerca de 15 mil euros), quantia a que o vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom 2013 (escolhido entre os vencedores de cada categoria), acrescenta outros 50 mil reais (15 mil euros).  


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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