França vai enviar mais de mil soldados para a República Centro-Africana

ONU aprovou esta quinta-feira o reforço da presença militar internacional no país. A capital foi palco de vários tiroteios entre as milícias, em que morreram dezenas de pessoas, reflectindo a urgência do auxílio.

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Soldados patrulham as ruas de Bangui durante os tiroteios da manhã de quinta-feira Sia Kambou/AFP

Um contingente de 1200 soldados franceses irá chegar à República Centro-Africana (RCA) nos próximos dias para ajudar a conter o conflito entre as várias guerrilhas que assola o país há meses. O Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) deu luz verde à intervenção nesta quinta-feira, no mesmo dia em que os confrontos chegaram à capital Bangui, causando várias dezenas de mortos.

A decisão foi aprovada pelo voto unânime dos 15 Estados com assento no Conselho de Segurança e autoriza os soldados franceses a "tomar todas as medidas necessárias para apoiar a MISCA [força da UA na RCA] no cumprimento da sua missão". Desta forma, a França triplica o contingente militar no país. A passagem para uma operação de manutenção de paz fica dependente de novo voto do Conselho de Segurança, a pedido do secretário-geral, Ban Ki-moon. A ONU impôs ainda um embargo de armas e recomendou que Ban Ki-moon abra um inquérito para apurar violações dos direitos humanos no país.

O reforço da presença militar francesa, que tem actualmente 450 elementos no aeroporto da capital, tem o objectivo de apoiar os 2500 efectivos que a União Africana (UA) já enviou para a RCA. O ministro da Defesa francês, Laurent Fabius, confirmou esta quinta-feira o número de soldados que Paris prevê enviar, o que deverá acontecer “nos próximos dias”.

Numa curta declaração, o Presidente francês, François Hollande, garantiu que a intervenção do exército será "imediata" e que os efectivos no terreno serão duplicados "dentro de alguns dias, para não dizer horas". "Tenho plena confiança nos soldados para essa operação", acrescentou Hollande, que acredita que o processo será rápido.

Depois do derrube do Presidente, François Bozizé, em Março, a RCA é dominada pelos confrontos sangrentos entre vários grupos milicianos. O actual chefe de Estado, Michel Djotodia, perdeu o controlo sobre o grupo rebelde que o apoiou, a Séléka, que tem massacrado várias aldeias, sobretudo no norte do país. Calcula-se que 10% da população de 4,6 milhões tenha sido obrigada a fugir de casa e que um milhão de pessoas estejam em risco de fome. Dada a dificuldade de obter estimativas fiáveis, desconhece-se o número de mortos, mas a ONU alerta que a RCA está “à beira do genocídio”.

A necessidade do envio de forças de segurança para o país foi sublinhada nesta quinta-feira pelo primeiro-ministro da RCA, Nicolas Tiangaye. “Dada a urgência, o meu desejo é que a intervenção se faça sem atrasos, imediatamente após a resolução”, afirmou Tiangaye, que se encontra em Paris para uma cimeira sobre a paz e a segurança em África.

O objectivo da intervenção francesa é “evitar os dramas humanitários assustadores e restabelecer a segurança”, explicou Fabius, que prevê que no início de 2015 se possa começar a organizar a transição democrática do país. O ministro da Defesa assegura a União Europeia (UE) vai apoiar a França, revelando que já disponibilizou 50 milhões de euros para financiar o contingente militar da UA. Os EUA contribuíram com um valor entre 30 e 40 milhões de euros, acrescentou Fabius.

Tiroteios na capital
No próprio dia em que o Conselho de Segurança da ONU votou o envio do contingente francês, a capital da RCA assistiu ao confronto entre grupos armados fiéis a Bozizé e milicianos da Séléka, logo pela manhã. O alerta foi dado pela chefe da missão dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Sylvain Groulx, que falou em “vários mortos e feridos”. As contagens dividem-se. De acordo com a Reuters, pelo menos 23 pessoas terão morrido e 64 ficaram feridas. Um jornalista da AFP no local contabilizou 80 corpos no interior de uma mesquita e nas ruas circundantes.

Em várias partes da cidade foram ouvidos tiros de metralhadoras e nas ruas foram encontrados corpos abandonados, de acordo com membros dos MSF em Bangui.

Na sequência dos confrontos, o Presidente, Michel Djotodia, antecipou o recolher obrigatório, anteriormente previsto para as 22 horas, para as 18 horas. Dirigindo-se à população através da rádio, Djotodia apelou à calma na capital, afirmando que "o exército francês é amigo da República Centro-Africana" e que vêm para ajudar. O contingente francês de 450 elementos patrulhou as ruas de Bangui durante o dia, em conjunto com as forças da UA.

“Precisamos dos franceses, os franceses têm de vir rapidamente”, afirmou à Reuters Wilfred Koyamba, um residente de Bangui. Grupos de anti-balako (grupos armados de cristãos que combatem os Séléka) foram vistos com AK47 e a ordenar os habitantes dos bairros que lhes indicassem as casas de muçulmanos.

Na segunda-feira, um relatório da organização International Crisis Group já alertava para o alastramento dos conflitos a áreas urbanas. “A situação no terreno está a deteriorar-se a um ritmo muito mais rápido do que a mobilização internacional e Bangui está vulnerável a um colapso total da lei e da ordem”, concluía o documento.

O envio de tropas que aprovado pelo Conselho de Segurança pode, contudo, revelar-se insuficiente, obrigando a ONU a transformar o contingente numa “operação de manutenção da paz”, ao abrigo do artigo 7 da Carta das Nações Unidas. Num processo que poderá demorar entre quatro a seis meses, a ONU pode enviar 9000 capacetes azuis, de acordo com um relatório recente do secretário-geral, Ban Ki-moon. O procedimento será semelhante ao que foi utilizado no Mali, para onde foram enviados seis mil efectivos.

É precisamente a proximidade da operação no Mali que causa resistências da parte de alguns membros do Conselho de Segurança, nomeadamente dos EUA, segundo fontes diplomáticas citadas pela AFP. Washington duvida que o Congresso aprove o financiamento de uma operação do mesmo calibre, em tão pouco tempo. Por outro lado, os EUA também recusam uma solução mista semelhante à utilizada na Somália, em que os soldados foram fornecidos pela UA e o financiamento coube à ONU e à UE.

A Alta-Representante da UE para a Política Externa, Catherine Ashton, "saudou a adopção pelo Conselho de Segurança da ONU da Resolução 2127 relativa à República Centro-Africana", de acordo com um comunicado lido pelo seu porta-voz. "O restabelecimento da segurança e a protecção das populações civis são indispensáveis", acrescentou Ashton. A ajuda por parte da UE será "essencialmente de ordem financeira", revelou a chefe da diplomacia europeia.

O Reino Unido anunciou uma "ajuda limitada", de acordo com fontes diplomáticas citadas pela AFP. O apoio de Londres deverá traduzir-se no envio de um avião militar de grande porte C-17, como aconteceu durante o conflito no Mali, mas a presença de tropas britânicas não está, à partida, em cima da mesa.

Notícia actualizada às 19h34: Acrescentaram-se declarações de François Hollande e de Catherine Ashton e as referências à ajuda do Reino Unido.

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