Um cinema de todos e para todos ali numa esquina de Lisboa: o Ideal

Foi apresentado esta quarta-feira o projecto daquele que será o Cinema Ideal, antigo Cine Paraíso. Vão arrancar as obras de reconstrução do espaço, que abrirá portas na Primavera de 2014.

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O arquitecto José Neves com Pedro Borges no interior do cinema Bruno Almeida
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A sala de cinema Bruno Almeida
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Pedro Borges, produtor da Midas, e Goulart Machado, presidente da Casa da Imprensa Bruno Almeida
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Os cartazes que ainda existem nas paredes do espaço Bruno Almeida
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Os cartazes que ainda existem nas paredes do espaço Bruno Almeida
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A sala do cinema Bruno Almeida
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Quem hoje passa pela Rua do Loreto, entre o Largo de Camões e a Calçada do Combro, já mal se recordará que ali entre os números 15 e 17 existe uma sala de cinema, o antigo Cine Paraíso, hoje já só com uma cadeira e as paredes despidas. Diz a história que é a mais antiga de Lisboa, mas entre trocas de nome, de utilidade (nos últimos anos era um cinema de filmes pornográficos) e períodos de portas fechadas, foi essa mesma história que se foi esquecendo e perdendo. Mas a situação está prestes a mudar. A sala vai ser recuperada, por iniciativa da Midas em cooperação com a Casa da Imprensa, e naquele espaço vai renascer o Cinema Ideal.

É Ideal em todos os sentidos, garante Pedro Borges, produtor e distribuidor da Midas Filmes, que quer devolver a esta zona de Lisboa, o Chiado, o cinema que há anos desapareceu dali. Ficou escondido entre portas e foi-se degradando. O projecto foi anunciado ontem na Casa da Imprensa e incluiu uma visita ao espaço com o arquitecto José Neves, o responsável pela requalificação e renovação de uma sala, plateia e balcão, que deverá abrir portas na Primavera de 2014.

“Andávamos atrás disto há já muitos anos”, diz ao PÚBLICO Pedro Borges, que vê nesta iniciativa “uma obrigação”. Num momento em que as receitas de bilheteira estão em queda e algumas salas históricas de Lisboa, como o King, fecham, a reabertura do Cinema Ideal, nome que a sala já teve em tempos, “é absolutamente necessária para a cidade de Lisboa e para todos os que gostam de cinema”. “É preciso que existam outros tipos de cinemas”, disse na conferência de imprensa, salientando que hoje já só existem salas em centros comerciais. “E é sobretudo cinema americano e com cheiro a pipoca.”

“Cinema de bairro infelizmente só sobra este, foram todos desaparecendo”, destaca. Diz não entender como é que “Lisboa é a única cidade de onde desapareceram todos os cinemas do centro”. Parte do problema explica-o pelo despovoamento do centro da cidade, uma vez que eram esses “habitantes os espectadores das salas. Mas depois há outras coisas que têm a ver com o facto de não existir uma política em relação ao cinema nem a nível global nem a nível municipal”.

Margarida Acciaiuoli, autora de Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno urbano do século XX (Bizâncio), aponta ainda o dedo à proliferação dos centros comerciais. “Em finais do século XX houve a grande ilusão do consumo que se materializou no centro comercial”, diz a investigadora ao PÚBLICO, defendendo que ir a uma loja ou ir ao cinema não é a mesma coisa e por isso estes devem existir em espaços distintos. “Aquela profusão de acontecimentos e produtos faz com que o cinema seja apenas mais um produto, até a entrada dos cinemas é igual à entrada de um supermercado e as bilheteiras são balcões onde se vendem bilhetes mas também pipocas e refrigerantes”, destaca Acciaiuoli. Aplaude a iniciativa da Midas. “Esta vontade de tentar mudar é muito positiva, é quase uma obrigação dar isto aos mais novos que não sabem hoje o que é ir ao cinema.”

E é isso mesmo que Pedro Borges espera conseguir com o Cinema Ideal: recuperar o gosto de ir ao cinema. Para isso, concretiza, o espaço vai estar aberto todos os dias de manhã à noite, entre 12 e 14 horas por dia. O objectivo é chegar a vários públicos e transformar-se no cinema do bairro.

“Em termos de vida urbana, o cinema é uma âncora extremamente importante”, diz Pedro Borges, que quer “um cinema virado para a cidade e para a comunidade”, que funcione em articulação com a junta de freguesia, as escolas e as instituições e organizações culturais e recreativas da zona”. Interessa tanto os cinéfilos, como os jovens que procuram esta parte da cidade, entre a Bica e o Bairro Alto, para se divertirem, e ainda todos os que ali vivem. “Queremos ser um cinema aberto, temos também o objectivo de chegar a um tipo de pessoas mais velhas ou com menos meios económicos que deixaram de ir ao cinema e que têm o direito a isso”, diz Borges. A programação ficará a cargo da Associação Cultural Cinema Ideal, da qual farão parte produtores, realizadores e actores, como a actriz Rita Blanco, que esteve presente na conferência de imprensa.

Paulo Rocha a inaugurar

“Vamos querer ter sempre dois filmes em exibição que possam abranger pessoas diferentes”, continua. Garante que o Cinema Ideal “vai ser um local com as melhores condições para se verem bons filmes”. E se dúvidas possam existir em relação à programação, frisa que não será o cinema da Midas e estará aberto a todos os distribuidores independentes e a todos os realizadores.

A sessão de inauguração deverá ser feita com a estreia da última obra de Paulo Rocha (1935-2012), Se Eu Fosse Ladrão, Roubava, e depois ali serão exibidos os filmes que habitualmente “não se vêem nos outros cinemas”.

“É para ser exibido cinema português, cinema europeu, cinema chinês, cinema iraniano.” “É para estrear o próximo filme do Pedro Costa ou do João Canijo, que são velhotes como eu, mas é para estrear também o filme do João Salaviza, que ainda não fez 30 anos.” As diferentes gerações vão estar representadas neste espaço, assim como os diferentes géneros.

“Como cidadão e lisboeta, vejo este projecto como uma oportunidade maravilhosa para a cidade, em poder voltar a ter uma sala no centro, onde se poderão ver os melhores filmes feitos hoje, nas melhores condições possíveis, e funcionar simultaneamente como ponto de encontro à volta do cinema”, diz ao PÚBLICO o arquitecto responsável pela renovação, vencedor do último Prémio Secil de Arquitectura, o mais importante neste área em Portugal. “Um cinema é por si só um programa muitíssimo estimulante para qualquer arquitecto, e neste caso ainda mais, porque, dada a sua localização e a sua relação com a rua, não poderá deixar de ter a capacidade de interferir de um modo intenso com a vida da cidade.”

Pedro Borges acredita ainda que a sala fará com que as pessoas estejam mais dispostas a ver determinado tipo de filmes. “Se eu quiser estrear um filme mexicano ou um filme chinês ou um filme do Pedro Costa, a projecção no El Corte Inglés, por exemplo, é impecável, mas o cinema não tem nada a ver com os filmes”, explica. Adianta mais: o Cinema Ideal tornar-se-á uma das salas da próxima edição do IndieLisboa, do Panorama do Documentário e do Curtas Vila do Conde. Mas um dos pontos mais importantes de 2014 vai ser a reposição das versões digitais restauradas de Os Verdes Anos (1963) e Mudar de Vida (1966), os dois filmes de Paulo Rocha que iniciaram o Cinema Novo Português.

O Cinema Ideal, além da sala de cinema, terá uma livraria dedicada à sétima arte e uma DVDteca (onde se poderão ver vários filmes), uma cafetaria e ainda um espaço de convívio e animação. “A nossa ambição é pegar nessa relação do cinema com a rua e levar o mais longe possível a sua vocação de ‘cinema da esquina’, tal como há a ‘loja da esquina’ por onde se passa todos os dias”, diz o arquitecto José Neves, explicando que a arquitectura nunca parte do zero. “E, neste caso, trata-se de uma situação muito concreta e repleta de memórias. Apesar de ter sofrido inúmeras alterações bastante desinteressantes ao longo do tempo, iremos tentar agora fazê-las esquecer com a nossa intervenção”, acrescenta o arquitecto que vai adaptar a sala de cinema existente — “um espaço muito simples e bonito” — às características actuais da projecção e do som. E conclui que “contar mais, neste momento, seria como contar o fim do filme...”

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