Privatização dos CTT "pode contribuir para reforçar a confiança dos investidores no país"

Para o presidente da bolsa portuguesa, Luís Laginha de Sousa, a entrada de empresas na bolsa "constitui mais uma alternativa de aplicação da poupança".

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Luís Laginha de Sousa, presidente da bolsa portuguesa Rita Baleia

Luís Laginha de Sousa defende que o mercado de capitais pode proporcionar equilíbrios que permitem aos investidores nacionais "manterem posições de controlo", beneficiando, ao mesmo tempo, "do acesso a grandes pólos de capital internacional". Para o presidente de bolsa de Lisboa, que respondeu ao PÚBLICO por email, o elevado nível de dispersão dos CTT, cujas acções começam a ser negociados esta quinta-feira, vai favorecer a liquidez do título.

Qual a importância da privatização dos CTT ser feita através da Euronext Lisboa, em termos de dinamização do mercado de capitais, e tendo em conta a saída de empresas como a Brisa?
A entrada em bolsa de uma empresa como os CTT constitui uma boa notícia, não apenas para o mercado de capitais nacional, mas para a economia portuguesa em geral. Trata-se de uma empresa com uma dimensão significativa e que terá, previsivelmente, um nível de dispersão elevado (cerca de 70%), o que é favorável à subsequente liquidez do título. É uma empresa de um sector que ainda não está directamente representado no nosso mercado, possibilitando assim a diversificação de investimentos nesta nova área de negócio.

Esta operação pode contribuir para reforçar a confiança dos investidores no nosso país e nas empresas cotadas no nosso mercado, abrindo uma janela de oportunidade para outras empresas portuguesas considerarem também a possibilidade de abertura e/ou reforço do seu capital, através da bolsa.

Partilho a convicção de que todos os presidentes de bolsas preferem ver aumentar o número de empresas cotadas e não a sua diminuição. No entanto, a atractividade do mercado também depende de ele ter “uma porta de saída”, com regras claras e adequadas.

As empresas têm a opção de entrar, quando essa solução satisfaz os seus objectivos, mas têm que ter a possibilidade de sair se a sua presença em bolsa não se adequa, ainda que temporariamente, ao contexto concreto da sua trajectória. Não nos podemos esquecer que as barreiras à saída são também barreiras à entrada.

Ficou surpreendido com a adesão dos pequenos investidores? 
Os investidores individuais têm mantido historicamente um nível de participação relevante no nosso mercado, acima da média de outros países europeus, o que constitui, na perspectiva da Euronext, um sinal muito positivo. Este caso reforça a convicção de que não se deve ter receio de utilizar a expressão “capitalismo popular”, pois tal refere-se exactamente à possibilidade que o mercado de capitais oferece aos cidadãos de, individualmente, participarem no principal meio de criação de riqueza de qualquer país, que são as empresas (acedendo aos rendimentos por estas gerados e naturalmente também partilhando os riscos).

Vivemos um tempo em que a poupança individual não só tem que aumentar, mas está a aumentar (por razões conjunturais e estruturais). O que se pode perspectivar implica que, em média, cada cidadão terá que enfrentar pessoalmente mais responsabilidades futuras com pensões, saúde, educação dos filhos. Para tudo isso, o acréscimo da poupança e a sua remuneração é fundamental. A aplicação eficiente da poupança deve ter um horizonte temporal, em geral, longo, e portanto deve conter uma parte relevante em ações de empresas, numa lógica de optimização da rendibilidade, face ao risco aceitável definido pelo investidor. 

A entrada de empresas na bolsa constitui mais uma alternativa de aplicação da poupança dos portugueses, em empresas portuguesas, oferecendo, desejavelmente, diversificação sectorial, perspectivas de liquidez e uma rendibilidade atractiva.

Gostaria ainda de realçar que este resultado não deve surpreender, se tivermos em conta o histórico recente da participação dos investidores individuais no nosso mercado.

De facto, apesar das circunstâncias particularmente desafiantes que Portugal tem vivido desde 2008, o mercado de capitais português continuou a disponibilizar soluções, proporcionando liquidez onde outros mercados ficaram bloqueados e permitindo a algumas empresas já cotadas formas de financiamento adicionais. Concretamente, é de realçar que em 2011 e 2012, um conjunto de empresas cotadas se financiou em mercado, através de ofertas públicas de obrigações, junto de investidores nacionais individuais, em cerca de 2,2 mil milhões de euros, isto num período em que outros tipos de financiamento ficaram praticamente inacessíveis.

E como vê o facto da tranche para trabalhadores ficar por preencher? Tradicionalmente, os trabalhadores não ficam com a totalidade das acções que lhes são destinadas de acordo com a lei, mesmo tendo direito a desconto…
Não comentamos opções de investimento individuais. O papel da bolsa é disponibilizar às empresas e aos investidores opções, respectivamente, de financiamento e de investimento. Cabe a cada empresa e a cada investidor avaliar se essas opções servem os seus objectivos.

 Acha que os CTT poderão inspirar mais casos de privatização através do mercado de capitais? Porquê? Gostaria de ver a TAP, caso a venda avance, a dispersar o seu capital através da Euronext Lisboa?
A decisão de privatização de empresas públicas pelo Estado e a forma de o fazer constituem opções de grande relevância para o país, em várias dimensões, cabendo aos Governos avaliar as alternativas disponíveis e tomar as decisões que entenderem mais adequadas. Essa decisão tem em conta uma diversidade de factores, que devem ser adequadamente ponderados, incluindo a situação particular da empresa  e do sector em que ela se insere, os objectivos da operação, a conjuntura do mercado, entre outros. Cada processo de privatização é específico, e deve-lhe ser aplicada a via que melhor se adequar à situação concreta.

No entanto, como presidente da bolsa portuguesa, não posso deixar de realçar que a entrada de mais empresas em bolsa através de processos de privatização tem constituído um importante dinamizador do mercado de capitais português. Cabe-me também evidenciar que, tomada a decisão de privatizar, a opção pela dispersão em bolsa aporta um conjunto de externalidades positivas que reforçam a atractividade desta opção, face à alternativa de uma venda directa: a bolsa constitui um pólo de atracção de investimento e poupança internos e externos, disponibiliza um mecanismo gerador de liquidez e de preços transparentes, utilizados como referências para muitas outras transacções, funciona como um catalisador da melhoria de processos e transparência nas empresas cotadas e promove uma “cultura” de empreendedorismo, investimento e assunção de riscos, geradora de emprego e crescimento económico.

Por outro lado, sempre que há uma nova entrada em bolsa, esta não vem retirar espaço ou visibilidade às empresas já cotadas, antes vem alargar a dimensão e a atractividade de todo o mercado.

Olhando para o passado, verifica-se que, nos anos 90, muitas das empresas reprivatizadas através do mercado de capitais estavam maioritariamente nas mãos de investidores nacionais. Hoje, há uma predominância dos investidores estrangeiros. Como vê esta situação? Olhando para o futuro, é inevitável os CTT virem a ser controlados por investidores estrangeiros?
A abertura de um país ao exterior é um factor decisivo do seu desenvolvimento, da criação de emprego e da melhoria de vida dos seus cidadãos. A história tem-nos mostrado repetidamente os insucessos das economias que se fecharam ao comércio externo e à circulação de capitais, situação que só se inverte quando os países se voltam a abrir ao mundo. Portugal há muito escolheu a via da abertura, que se reflecte também no mercado de capitais, procurando atrair a poupança e o investimento estrangeiros, como fontes de investimento adicional no nosso país, sem as quais ficaríamos limitados à nossa (reduzida) poupança interna. 

Compreendo que o controlo de empresas nacionais por investidores estrangeiros possa levantar algumas questões,  mas não se pode ter “sol na eira e chuva no nabal”. O nosso esforço, como país, deve concentrar-se em criar as condições para que muitas mais empresas portuguesas continuem a crescer e a internacionalizar-se, mantendo uma sólida base nacional, incluindo a base de investidores. O mercado de capitais, apesar da sua inevitável abertura, pode proporcionar equilíbrios accionistas que permitem aos investidores originais (nacionais) manterem posições de controlo na gestão das empresas, beneficiando em simultâneo do acesso a grandes pólos de capital internacional.

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