Oposição ucraniana grita nas ruas "revolução", Governo pondera estado de emergência

Rivais de Viktor Ianukovich distanciaram-se dos confrontos entre jovens e polícia junto à sede da presidência. Kiev assistiu a uma das maiores manifestações desde a Revolução Laranja

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Estima-se que a manifestação em Kiev possa ter reunido 100 mil pessoas Reuters/Valentyn Ogirenko
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Em lados opostos da barricada Reuters/Valentyn Ogirenko
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Manifestantes tentam invadir edifício em Kiev Reuters/Valentyn Ogirenko
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Milhares de manifestantes nas ruas de Kiev Reuters/Valentyn Ogirenko
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A polícia preparada para um confronto Reuters/Valentyn Ogirenko
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Muitos policias nas ruas de Kiev Reuters/Valentyn Ogirenko
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A manifestação pode ser a maior desde a revolução de 2004 Reuters/Valentyn Ogirenko
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Um mar de gente nas ruas Reuters/Valentyn Ogirenko

Milhares e milhares de pessoas saíram neste domingo à rua no centro de Kiev, numa manifestação que trouxe à memória a Revolução Laranja de 2004. Foi já o décimo dia de protestos contra a recusa do Presidente Viktor Ianukovich em assinar um acordo que aproximaria a Ucrânia da União Europeia – projecto em que muitos ucranianos depositam as esperanças de modernização do país –, mas a carga policial da véspera deu nova dimensão à contestação e, nas ruas, gritou-se por uma nova revolução. O Governo não descarta a hipótese de decretar o estado de emergência.

“Abaixo os bandidos”, “Revolução” e “Ucrânia é Europa”, gritaram os manifestantes enquanto desfilavam pelo centro da capital em direcção à Praça da Independência onde há nove anos a oposição pró-ocidental acampou até conseguir a repetição das eleições presidenciais, depois de uma contagem tida como fraudulenta ter dado a vitória a Ianukovich, naquela que foi a sua primeira tentativa de chegar ao poder. Agora, o objectivo é forçar a demissão do Presidente e do Governo liderado pelo Partido das Regiões (pró-russo), antecipando eleições que estavam previstas apenas para 2015. "Eles roubaram-nos o sonho [de aproximação à UE]. Se eles não querem cumprir a vontade do povo, então este Governo e este Presidente vão deixar de existir”, disse Vitali Klitchko, antigo campeão mundial de boxe e líder de um dos três partidos que aderiram aos protestos.

As autoridades não divulgaram números oficiais, mas a oposição reivindica 350 mil pessoas na rua e jornalistas estrangeiros confirmam que a multidão foi superior à que no domingo passado juntou cem mil manifestantes em Kiev – números que apesar de inferiores aos de 2004 não têm precedentes desde então. O cortejo avançou sem incidentes até à emblemática praça, onde apesar dos avisos do ministro do Interior, Vitali Zakharchenko, os manifestantes derrubaram sem oposição as barreiras que impediam o acesso ao local, contam as agências. As forças antimotim que se encontravam na praça recuaram, deixando a zona livre para os manifestantes.

Mas se ali tudo decorreu sem sobressaltos, o cenário era diferente a um quilómetro de distância, no distrito onde se situam vários edifícios governamentais.

Centenas de jovens, encapuzados e com cachecóis ou máscaras cirúrgicas a esconder-lhes o rosto, avançaram contra as forças antimotim que guardavam a sede administrativa da presidência. Atingiram os agentes com pedras, cocktails Molotov, barras de ferro e, a certa altura, um bulldozer conduzido por um deles avançou na direcção da barreira, antes de acabar por se imobilizar um pouco à frente. A polícia lançou granadas de atordoamento para dispersar os manifestantes, mas os incidentes prolongaram-se pela tarde fora e, no final, uma porta-voz adiantava que cem agentes sofreram ferimentos.  

Braço de ferro agrava-se
Na praça da Independência, os líderes da oposição dissociaram-se dos confrontos. Arseni Iatseniuk, líder do partido da ex-primeira-ministra Iulia Timochenko (a cumprir uma pena de sete anos de prisão) atribuiu os incidentes a elementos provocadores, com o claro objectivo de descredibilizar as manifestações: “Sabemos que o Presidente quer declarar o estado de emergência no país”. Klitchko, agora um dos políticos mais populares da Ucrânia, aconselhou os jovens a “não cederem a provocações”.

Mas num sinal de que o braço de ferro está a agudizar-se, manifestantes invadiram a câmara municipal de Kiev. Quebraram janelas para entrar no edifício, hasteando na fachada um bandeira que identificava o local como “quartel-general da revolução”. A acção foi reivindicada por Oleh Tiahniboh, líder dos nacionalistas do Sovoboda (Liberdade). Discursando na praça, o dirigente desafiou os manifestantes a não desarmarem: “Vamos ficar aqui, instalar as nossas tendas e iniciar a partir de agora uma greve geral. A revolução na Ucrânia começou”.

A polícia anunciou ao início da noite estar a negociar com os manifestantes a desocupação do edifício, enquanto o ministro do Interior, o presidente da Câmara de Kiev e o secretário de Segurança Nacional do Governo eram chamados à residência oficial de Ianukovich, nos arredores de Kiev, para uma reunião de emergência, noticiou Itar-Tass. Um porta-voz do executivo disse que a situação “está sob controlo”, mas a agência russa cita fontes governamentais que admitem a possibilidade de o estado de emergência ser decretado já na segunda-feira.

Os analistas admitem que Ianukovich – que sustenta o seu poder na colaboração dos oligarcas e conta com o apoio da população russófona, maioritária no Leste da Ucrânia – não contaria com uma tão forte oposição quando decidiu não assinar o acordo com a UE, optando pela ajuda financeira oferecida por Moscovo, vital para responder à necessidades de curto prazo da muito endividada economia ucraniana.

“A enorme participação nos protestos – e a subsequente violenta repressão da polícia – alteraram completamente a situação polícia para Ianukovich, [o Presidente russo Vladimir] Putin e a Ucrânia”, escreveu no jornal Moscow Times o analista político Ievgeni Kiseliov, dizendo não ter dúvidas que a actual instabilidade “rivaliza com a crise de 2004”. Uma má notícia para as perspectivas de reeleição de Ianukovich, diz, mas também para o Kremlin que arrisca ver a “goleada diplomática” sobre a UE transformada “numa vitória de Pirro”.

Mas também para a oposição os próximos dias serão um desafio. Ao contrário de 2004, não há uma liderança clara (Timochenko, a musa da Revolução Laranja tem ainda vários anos de prisão pela frente), nem uma agenda definida. A contestação nasceu nas redes sociais, engrossou com o apoio dos mais jovens e durante os primeiros dias os partidos andaram a reboque, escreve o Financial Times. A carga policial de sábado, de que resultaram mais de 30 feridos, uniu a oposição, mas enquanto os dirigentes se limitam a pedir a antecipação de eleições, nas ruas, exige-se algo mais radical. “O Presidente é um bandido e é claro que o seu regime não vai entregar o poder de forma democrática. Precisamos de uma revolução para o afastar”, disse ao jornal Valentin Strasser, um manifestante que promete não desarmar até à partida de Ianukovich.
 

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