Soares e Eanes: saudades de anteontem

A estranha aparição dos presidentes é o sinal de um desespero romântico.

Nem a agitação de Soares, nem a homenagem a Eanes são indícios de um regresso ao velho messianismo português, que sempre se espera e que nunca de facto seriamente se manifesta.

A crise da economia e das finanças talvez tenha criado um sentimento geral de impotência. Mas ninguém espera um salvador desconhecido ou uma inversão miraculosa da História ordenada pela benevolência dos deuses. Pelo contrário, o país foi buscar a um episódio e a heróis muito recentes a receita para a sua duvidosa salvação. Eanes, que acabou por submeter o exército ao poder civil, e Soares, que afastou Cunhal e estabeleceu a custo uma democracia habitável, não representam mais do que a nostalgia por uma solução rápida e definitiva das nossas desgraças contemporâneas, que parecem sem fim e sem saída.

Infelizmente, a relativa simplicidade do PREC não voltará. Agora, as coisas não se resolverão com manifestações na Alameda ou em Belém ou com uma espécie de “25 de Novembro” e a rápida derrota do radicalismo militar. Primeiro, porque do défice à dívida, passando pela banca, os problemas não dependem só de nós. E, segundo, porque não existe qualquer força política, dentro ou fora do exército, capaz de organizar e dirigir um movimento que renove a sociedade que o regime gerou e de a tornar compatível com o mundo em que vivemos. O burburinho à volta de Soares e o jantar a Eanes são a prova disso. Como disse Eanes numa bela frase, são um presente sem futuro. Depois do entusiasmo, de um e de outro lado não ficará mais do que a melancolia de tempos mais simples.

De resto, os próprios partidos da República começam-se lentamente a desagregar. O dr. Cavaco pede “consenso”. Mas de quem com quem? Do PSD que se julga “liberal” ou do PSD que se proclama “social-democrata” com o PS oficial de Seguro ou com as facções de Sócrates, de Costa ou do confuso e desarticulado populismo de Soares? Pior ainda, o PC (e a CGTP) e também o Bloco não entram nestas contas? Vai o regime entregar o descontentamento, que não falta e com certeza irá aumentar, à programática irresponsabilidade da extrema-esquerda? A estranha aparição dos presidentes é o sinal de um desespero romântico, que prefere fugir à grosseira realidade da “crise” e pensar na altura idílica em que o dinheiro escorria e Portugal, segundo a propaganda do Estado, estava na “cabeça da Europa”. Com dinheiro emprestado e a sua provinciana inconsciência.
 
 
 
 

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