Comité europeu contra a tortura regressa a Portugal e diz que situação piorou

Delegação europeia emitiu nesta terça-feira último relatório sobre sistema prisional em Portugal, que diz ter-se agravado. Focou-se sobretudo no Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde alegados maus tratos a reclusos não foram devidamente investigados.

Foto
No EPL, há celas em que não há luz, as janelas estão partidas e por vezes aparecem ratos Enric Vives-Rubio

Aumento da sobrelotação para 150%, degradação das condições materiais de instalações, alegações de maus tratos a reclusos mal investigadas, segurança da população juvenil em risco: estas foram algumas das situações em Portugal, centradas sobretudo no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), que o Comité Europeu contra a Tortura voltou a criticar no seu último relatório, publicado nesta terça-feira.

Voltou porque, em Maio, o comité enviou uma delegação a Portugal com o objectivo de se focar em alguns pontos que tinha deixado em destaque na anterior visita periódica em Fevereiro de 2012. E encontrou no EPL uma situação “pior” do que 15 meses antes, diz por telefone ao PÚBLICO o chefe da delegação Wolfgang Heinz, e também do Instituto Alemão para os Direitos Humanos. “Piorou em relação à sobrelotação, à falta de segurança e ao número de trabalhadores, que baixou. A situação deteriorou-se”, comenta.

Este órgão do Conselho da Europa faz visitas-surpresa a instituições que têm à sua guarda pessoas privadas da liberdade (o nome completo é Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Degradantes ou Desumanos, CPT).

No documento divulgado nesta terça-feira, que reforça algumas recomendações deixadas no anterior relatório (publicado em Abril) e fala de “progresso limitado” em relação às indicações passadas, o comité escreve que a sobrelotação e as condições do EPL podem ser consideradas como tratamento desumano e degradante, dando exemplos de celas em que não há luz, as janelas estão partidas, os colchões estão velhos e há casos em que têm ratos.

Chama a atenção para o facto de ter recebido algumas “alegações credíveis de maus tratos” a reclusos feitos por guardas prisionais, não tendo sido, no entanto, desencadeadas investigações eficazes. Por isso, volta a recomendar que sejam feitas investigações e ainda melhorias no registo de lesões quando o recluso entra na prisão ou depois de algum incidente dentro do estabelecimento prisional, por exemplo.

“As medidas tomadas para reduzir a população prisional tiveram um impacto pequeno”, critica ainda, recomendando também o combate à sobrelotação (com medidas como a utilização da pulseira electrónica ou o não recurso à prisão preventiva).

Na sua resposta, Portugal disse que há um plano para reabilitação de 11 prisões, ampliação de algumas e a construção de uma nova cadeia nos Açores, como, aliás, o Ministério da Justiça já divulgou. “Na altura da visita, havia 14 mil presos para uma capacidade de 12.077 [nas prisões portuguesas]. O EPL é o exemplo de uma situação extrema de sobrelotação”, comenta Wolfgang Heinz.

“Em relação [à prisão de alta segurança de] Monsanto, encontrámos uma situação diferente: há boas condições materiais, não está sobrelotada. Monsanto tem alguns aspectos em que achamos que a situação devia melhorar, como o regime [de 21 horas em que os reclusos passam confinados nas suas celas] e contacto dos reclusos com o exterior, mas são menos os reparos que fazemos.”

Chapadas, murros, pontapés, bastonadas”
Já em relação aos maus tratos no EPL, receberam várias queixas, que não contabilizam nem identificam para salvaguardar o compromisso de confidencialidade: “Somos um comité de antitortura e, por isso, essa é uma das nossas grandes preocupações. Os maus tratos consistiram em chapadas, murros, pontapés, bastonadas. Em alguns casos, a delegação recebeu provas médicas de registo de hematomas que eram consistentes com as alegações feitas. Depois, também recebemos queixas da população prisional juvenil e de jovens adultos que se queixaram de ter sido sujeitos a murros, pontapés e chapadas pelos guardas. Não dizemos que há um padrão de violação dos direitos humanos, e que toda a gente está a ser torturada, mas também não dizemos, como noutros relatórios, que não recebemos alegações de maus tratos — porque recebemos.”

Uma das críticas feitas no relatório é que “não foram tomadas as medidas eficazes para combater este problema no EPL”. Dá-se exemplos de casos de violência contra reclusos por guardas prisionais e relata-se episódios de violência entre reclusos, nomeadamente entre grupos de jovens — que, recomendam, devem ser transferidos para outras unidades. Dá-se ainda como exemplo o facto de terem sido encontrados nas fichas dos reclusos “certificados passados pelo médico a indicar que o recluso estava em condições físicas para castigo”. Recomenda-se o fim desta prática.

Mas além das visitas aos estabelecimentos de Monsanto e do EPL, a delegação tratou também o caso de um detido apunhalado por um guarda da GNR, em Junho de 2011, criticando os procedimentos seguidos: a investigação pelas autoridades não foi imediata, nem diligente, analisa; por isso, sugere uma mudança de procedimentos, nomeadamente de circulação de informação entre as diversas entidades competentes, como a Inspecção-Geral da Administração Interna e o Ministério Público (o que, aliás, em alguns pontos as autoridades portuguesas concordam).

“A credibilidade da proibição de tortura ou outras formas de maus tratos é posta em causa de cada vez que as entidades responsáveis por essas ofensas não são chamadas à responsabilidade”, sublinham.

Os relatórios do CPT sobre Portugal não podem ser comparados com outros países, pois este órgão não estabelece um “sistema de comparação”, mas Heinz diz: “Em Portugal a situação é preocupante, mas não no sentido em que haja uma situação dramática de tortura”.

E conclui, sobre a importância de ter prisões que, no fundo, sigam as recomendações deste comité: “Há a opinião geral de que as prisões são um instrumento limitado para reformar as pessoas. Se as prisões estão sobrelotadas, se as condições materiais são más e se a segurança é insuficiente, é óbvio que as possibilidades de reabilitação são muito mais limitadas. Acreditamos que ajudamos os estados a desenvolver a forma como lidam com o sistema prisional e a aumentar as possibilidades de os presos se reabilitarem, saírem e encontrarem uma nova opção para a sua vida”.
 
 

Sugerir correcção
Comentar