Ucrânia admite influência de Moscovo, mas rejeita ser "campo de batalha" entre UE e Rússia

Presidente ucraniano vai à cimeira de Vílnius tentar convencer a Rússia e a União Europeia a encetarem negociações a três.

Foto
Milhares de ucranianos manifestaram-se a favor da aproximação entre a Ucrânia e a União Europeia GENYA SAVILOV/AFP

No meio de uma batalha estratégica entre a União Europeia e a Rússia, a Ucrânia vê-se forçada a tentar agradar a toda a gente, arriscando-se a pagar o preço por não agradar completamente a ninguém. O primeiro-ministro ucraniano, Mikola Azarov, admitiu nesta terça-feira que Moscovo forçou Kiev a virar as costas a um acordo de cooperação com Bruxelas, mas sublinhou que o seu país continua virado de frente para a Europa. "A bola", diz o chefe do Governo ucraniano, "está agora no campo da União Europeia."

Numa conferência de imprensa em Kiev, Mikola Azarov reconheceu publicamente pela primeira vez que foi a Rússia que levou a Ucrânia a faltar à assinatura de um acordo de associação comercial com a União Europeia (UE), que terá lugar quinta e sexta-feira em Vílnius, capital da Lituânia (país que ocupa a presidência da UE até ao final do ano).

A presença da Ucrânia foi dada como certa até à semana passada, quando quase todos esperavam que o Presidente Viktor Ianukovitch se juntasse aos chefes de Estado da Geórgia e da Moldávia em Vílnius. A reviravolta foi anunciada na quinta-feira da semana passada, no mesmo dia em que o Parlamento ucraniano decidiu impedir a antiga primeira-ministra Iulia Timoshenko de receber assistência médica no estrangeiro.

A suspensão ou o fim da pena de sete anos a que Timoshenko foi condenada em Outubro de 2011 por corrupção e abuso de poder – ou por perseguição política, segundo a antiga chefe do Governo, os seus apoiantes e organizações de defesa dos direitos humanos – era uma das condições que Bruxelas queria ver satisfeita para ter a Ucrânia mais perto de si, mas a decisão do Parlamento ucraniano não foi o principal problema.

"A Rússia propôs o adiamento da assinatura [do acordo com a UE] e o início de negociações" com a Ucrânia com vista "ao restabelecimento de relações comerciais e económicas" entre os dois países, revelou nesta terça-feira o primeiro-ministro ucraniano. O objectivo da Rússia é levar a Ucrânia para a União Aduaneira, um bloco criado em Janeiro de 2010, com a participação da Bielorrússia e do Cazaquistão, e que Moscovo pretende alargar a outras antigas repúblicas soviéticas.

Ucrânia queixa-se de falta de apoio da UE

Na prática, o que Mikola Azarov quis dizer é que a Ucrânia é duplamente refém: da Rússia, porque depende do seu gás, cujo preço e fornecimento Moscovo manipula de acordo com os seus interesses estratégicos; e da falta de um apoio concreto por parte da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para escapar ao domínio russo.

"Não recebemos o apoio necessário da União Europeia num momento tão importante. A União Europeia não nos deu nenhuma ajuda, para além de palavras. E o FMI ou não compreende a situação na Ucrânia, ou tem-nos apresentado conscientemente condições inaceitáveis", acusou o primeiro-ministro ucraniano.

Este sequestro estratégico de que a Ucrânia se diz vítima, segundo o chefe do Governo, só poderia ter um desfecho, segundo afirmou Mikola Azarov: "Se não resolvêssemos o nosso conflito com a Rússia, teríamos de enfrentar uma catástrofe [económica]."
Questionado sobre se Kiev recebeu alguma compensação de Moscovo por ter desistido de assinar um acordo de cooperação com a União Europeia, o primeiro-ministro ucraniano foi taxativo: "É claro que não."

Presidente ucraniano estará em Vílnius

Nesta terça-feira ficou também a saber-se que o Presidente Viktor Ianukovitch irá viajar até à Lituânia. É certo que não assinará nenhum documento, mas espera convencer os responsáveis da União Europeia e da Rússia a iniciarem uma ronda de negociações a três com vista a um acordo que agrade a todos.

"Nós queremos discutir os problemas a três. A Rússia aceitou esta proposta, a bola está agora no campo da União Europeia", afirmou ainda o primeiro-ministro ucraniano.

Para já, não é de esperar uma grande mudança nas posições assumidas, especialmente depois da troca de acusações entre a União Europeia e a Rússia por causa do recuo da Ucrânia.

Num comunicado conjunto, os presidentes do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, e da Comissão Europeia, Durão Barroso, criticaram "a posição e as acções da Rússia a este respeito" e disseram a Kiev que "considerações de curto prazo não devem ofuscar os benefícios de longo prazo que esta parceria poderia trazer", numa referência a uma das principais críticas da oposição na Ucrânia – a de que os líderes do país trocaram um acordo de cooperação com a União Europeia por uma redução no preço do gás que a Rússia vende à Ucrânia.

O Presidente russo, Vladimir Putin, respondeu nesta terça-feira, através do seu porta-voz. "Neste caso", disse Dmitri Peskov, citado pela agência de notícias Interfax, "não é aceitável falar em qualquer tipo de pressão." 

A importância estratégica da Ucrânia e a sua apetecível economia de 46 milhões de potenciais consumidores deixa-a numa posição muito delicada, como Azarov fez questão de sublinhar: "Não queremos ser um campo de batalha entre a União Europeia e a Rússia. Queremos ter boas relações com ambos."

A recusa da Ucrânia em assinar o acordo de cooperação com a União Europeia motivou uma série de protestos populares, que culminou numa manifestação com várias dezenas de milhares de pessoas em Kiev, no domingo. Nesta terça-feira, algumas centenas de pró-europeístas permaneciam no centro da capital, enquadrados por uma faixa em que se pode ler a frase "Pela reaproximação à Europa". Na segunda-feira, Iulia Timoshenko anunciou que entrou em greve de fome para protestar contra a rejeição do acordo de associação comercial com a União Europeia.
 
 

Sugerir correcção
Comentar