Sob o efeito dos antirretrovirais, o vírus da sida deixa de se replicar no organismo

Será a replicação activa do VIH responsável pela manutenção de “reservatórios” de vírus latentes nas pessoas que fazem multiterapias há muitos anos? É provável que não, afirmam cientistas.

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Vírus VIH a sair de um linfócito DR

É crucial perceber por que é que, apesar do tratamento com combinações de antirretrovirais que conseguem controlar a sua proliferação durante anos a fio, o vírus VIH consegue manter-se presente no organismo das pessoas seropositivas. Só assim será possível desenvolver terapêuticas para extirpar de vez o vírus dos “reservatórios” onde ele se esconde e fica em estado latente. Uma equipa internacional de cientistas conclui agora que um dos processos que se pensava serem importantes para a persistência do VIH no organismo afinal pode não ser assim tão decisivo – e que, a confirmarem-se os seus resultados, vai ser preciso explicar essa persistência através de outros mecanismos biológicos.

Sabe-se que, sob o efeito das multiterapias, os níveis de VIH a circular no sangue tornam-se quase indetectáveis. Mas também se sabe que, quando o tratamento é interrompido, o vírus regressa ao activo passado pouco tempo. De facto, as multiterapias não eliminam totalmente o vírus, que consegue esconder-se dentro dos diversos tipos de células imunitárias que invade, permanecendo assim em estado latente, “adormecidos” à espera de uma oportunidade para “acordar”.

Os especialistas têm especulado acerca da natureza dos reservatórios virais, bem como sobre os mecanismos que alimentam em permanência os ditos reservatórios. Uma hipótese tem sido que é a replicação activa do vírus, permanente mas de baixa intensidade, que contribui para a persistência do VIH. Só que até agora, as conclusões dos estudos feitos para a tentar confirmar forneceram resultados contraditórios, escrevem Lina Josefsson, do Instituto Karolinska, na Suécia, e colegas, na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Vírus não evoluiu
Para tentar perceber melhor se a replicação viral é ou não importante para a persistência do VIH, estes cientistas estudaram de forma muito pormenorizada a evolução genética do vírus, ao longo de anos, no organismo de oito pessoas seropositivas que têm estado a receber multiterapias antirretrovirais há já quatro a 12 anos – e cuja carga viral sanguínea tem permanecido praticamente nula.

Os investigadores - entre os quais o português Nuno Faria, da Universidade de Oxford - colheram, junto desses voluntários, amostras de sangue e de tecido imunitário da mucosa intestinal (o tracto digestivo é um componente importante do sistema imunitário humano). A seguir, extraíram o ADN do vírus contido nos linfócitos ditos T-CD4 das amostras – as células que constituem o alvo preferencial do VIH –, bem como de outras células imunitárias.

Constataram então que, tanto no sangue como no tecido imunitário digestivo, muitos linfócitos T-CD4 que já estavam programados para combater especificamente o VIH (e que portanto faziam parte da chamada “memória” imunitária) continham ADN viral. “O nosso estudo revela que o principal obstáculo ao desenvolvimento de uma cura do VIH é uma população notavelmente estável de células T-CD4 da memória [imunitária] infectadas”, escrevem na PNAS.

Mas por outro lado, a principal conclusão do estudo, obtida através da construção de uma “árvore genealógica” do ADN viral de cada pessoa, é que, desde o início da multiterapia, o vírus contido nas suas células imunitárias quase não sofreu mutações – o que equivale essencialmente a dizer que não evoluiu. Ora, se não evoluiu, explicam os autores, é porque não se replicou. “Quase não existem indícios de replicação viral”, salientam.

Mas então, se não foi a replicação activa, qual será o mecanismo que manteve, ao longo destes anos todos, uma clara presença do ADN viral nos linfócitos T? Os cientistas especulam que poderá ser a própria proliferação dessas células da memória imunitária que faz com que, por clonagem, o ADN do VIH que elas contêm também se multiplique, ampliando os reservatórios.

Uma outra conclusão de peso é que a frequência de linfócitos T infectados dos voluntários que tinham começado o tratamento um a três meses depois do início da infecção, na fase aguda, era inferior à dos que tinham começado o tratamento mais de um ano depois, já na fase crónica. Isto poderá significar, segundo os autores, que quanto mais precoce for o início da terapia, menor será o tamanho dos reservatórios que o vírus irá criar.
 

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