Tribunal de Sintra volta a ouvir jovem que atacou colegas na escola de Massamá

Adolescente de 15 anos tem recebido visitas dos pais no centro educativo onde foi internado. Família quer que ele vá para uma clínica privada.

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Ataque ocorreu em Outubro em escola de Massamá Nuno Ferreira Santos

Há seis semanas que está internado num centro educativo do Estado, em regime fechado. Não pode ir à escola. Tem tido tempo para pensar — e começa a ficar preocupado com o facto de estar a perder aulas. O jovem de 15 anos que, a 14 de Outubro, feriu com uma faca de cozinha dois colegas e uma funcionária, na Escola Secundária Stuart de Carvalhais, em Massamá, tem sido alvo de acompanhamento por parte de um psicólogo forense. Era para ser ouvido pelo tribunal apenas em Janeiro, para uma primeira avaliação da medida que lhe foi aplicada depois de um ataque que, segundo disse na altura, pretendia imitar o massacre de Columbine. Mas, afinal, será feito um primeiro ponto de situação já nesta terça-feira.

O rapaz, acusado de terrorismo e de tentativa de homicídio, será ouvido pela manhã no Tribunal de Sintra — sê-lo-á pela primeira vez desde que foi internado. Os pais, que têm sido autorizados a visitá-lo, estão dispostos a pagar um tratamento, em regime fechado, numa clínica privada. Acreditam que o Centro Educativo dos Olivais, onde tem estado no último mês e meio, não é o melhor local para o filho recuperar a saúde mental, explicou ao PÚBLICO Pedro Proença, o advogado do jovem.

Segundo informa a página na Internet da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o Centro Educativo dos Olivais, um dos dez que existem no país, tem lotação para 34 jovens. Em Setembro, albergava 36, dos quais dez em regime fechado e 26 em regime semiaberto. O rapaz de Massamá é um dos que não podem sair.

O advogado tem feito chegar ao Tribunal de Sintra vários requerimentos e exposições. Alega que o adolescente precisa de um “acompanhamento mais personalizado” do que aquele que lhe está a ser dado. Mais: diz que o jovem “não teve intenção de matar” e que o que fez naquela segunda-feira, 14 de Outubro, foi o resultado de um “momento grave de depressão”. Uma depressão que é preciso tratar.

217 jovens internados
O rapaz frequentava o 11.º ano de um curso de Economia e nunca tinha cometido um crime. É descrito por muitos como “um rapaz normal”, a quem “nunca faltou nada”, mas que no ano passado começou a ter alguns comportamentos de indisciplina na escola. Naquele dia, na aula de Português, fez deflagrar um engenho de fumo, golpeou com uma faca de cozinha um colega — por sinal, um dos colegas com quem mais se dava. Depois, uma colega. E fugiu. Pelo caminho, foi interceptado por uma funcionária. Atacou-a com a mesma faca. E continuou a fugir.

Quando a polícia o deteve, já na rua, deixou-se levar. Disse que pretendia “imitar um massacre” como o que foi cometido a 21 de Abril de 1999, por dois estudantes de 17 e 18 anos, na Columbine High School, no Colorado, Estados Unidos, que mataram 13 pessoas e se suicidaram de seguida. Consigo, o aluno da Stuart Carvalhais tinha uma folha A4 onde, nas palavras da polícia, se descrevia em pormenor um plano para matar 60 pessoas na escola e “bater um recorde”. Quando foi ouvido pela primeira vez em tribunal, o rapaz disse que o plano tinha sido feito com um colega, “mais por brincadeira”.

Filho único de uma família de classe média (a mãe trabalha num consultório médico, o pai é técnico de radiologia), manifestou algum isolamento e uma grande desidentificação com os pais — “Não quero ser igual aos meus pais”, explicou ao advogado momentos antes da primeira audiência, referindo-se à vida rotineira dos progenitores, de trabalho-casa-trabalho, sem tempo para mais nada.

Nesta terça-feira, ficará a saber se pode ou não ser transferido do centro dos Olivais, como desejam os pais — não ainda para voltar a frequentar a escola, como ele gostava, mas para ser tratado. “O tribunal entendeu agendar esta audiência para reavaliar a situação e tenho alguma esperança que seja sensível” e transfira o rapaz para a clínica privada que os pais já contactaram, continua o advogado. “Esse centro privado pode receber o jovem.” Pedro Proença diz que o seu cliente está mais calmo, mais comunicativo, mas que não sente que o tempo que está a passar no centro seja muito produtivo para ele.

Em Setembro, havia 271 jovens internados em centros educativos do Estado, 17% dos quais em regime fechado, tal como o aluno de Massamá. Na maioria dos casos (mais de 60%), estão nestes centros porque cometeram crimes contra o património — mas, como tinham menos de 16 anos quando o fizeram, são abrangidos pela lei tutelar educativa e não pela lei geral. Os crimes contra pessoas representam 30% das situações.

Maioria tem perturbação mental
A esmagadora maioria dos jovens que praticam crimes sofre de perturbações mentais, segundo um estudo da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e da Universidade de Coimbra. A investigação, que envolveu uma amostra de 210 jovens agressores internados em centros educativos, revela que 90% receberam pelo menos um diagnóstico psiquiátrico, com as "perturbações disruptivas do comportamento" a serem as mais frequentes. Nenhum destes jovens tinha acompanhamento psiquiátrico.

Em declarações à agência Lusa, Licínio Lima, subdirector-geral da Reinserção e Serviços Prisionais, considera este dado “preocupante”, porque permite concluir que as polícias e as autoridades judiciárias “são impotentes no combate ao crime juvenil”. Segundo o responsável, é fundamental que a área da saúde não se mantenha afastada deste problema da delinquência juvenil: “A saúde é muito mais eficaz no combate ao crime do que qualquer polícia. Se, além do comportamento delinquente, o jovem sofre de perturbação mental, nenhum polícia vai resolver o problema daquela delinquência se não houver uma intervenção terapêutica.”

Licínio Lima lamenta que a Direcção-Geral da Saúde tenha sido um parceiro ausente neste estudo, que durou três anos e foi financiado por fundos europeus. Os resultados da investigação vão ser detalhados num seminário que decorre quinta e sexta-feira em Lisboa.

“Se a Saúde continuar a assobiar para o lado, a meter a cabeça na areia, seremos sempre incapazes de dar uma resposta eficaz no combate à delinquência juvenil. O combate à delinquência juvenil tem de ser feito em parceria entre as autoridades judiciárias e o Serviço Nacional de Saúde. Caso contrário, nunca haverá resultados positivos”, afirmou o subdirector-geral. Além dos cerca de 1200 jovens referenciados como tendo cometido factos considerados crime, Licínio Lima acredita que há muitos outros milhares de pré-delinquentes que, não tendo acompanhamento especializado ao nível da saúde mental, irão tornar-se criminosos.

Vítimas passam a agressores
Licínio Lima defende ainda que é preciso repensar a articulação entre a lei tutelar educativa, que lida com jovens entre os 12 e os 16 anos que praticam crimes, e a lei de promoção e protecção de crianças e jovens, que enquadra os direitos e o acompanhamento das crianças e jovens em risco. E defende uma tutela única que responda aos problemas da infância e juventude.

Actualmente, a lei tutelar educativa encontra-se no âmbito do Ministério da Justiça, enquanto a lei de promoção e protecção de crianças e jovens em risco está na Segurança Social. Frisando que as duas leis devem manter-se separadas, Licínio Lima sugere uma tutela única que abrigue toda a política para a infância e a juventude, que poderia passar para a Assembleia da República ou para a Presidência do Conselho de Ministros.

Segundo o subdirector, uma autoridade que tenha responsabilidade sobre as duas legislações para menores deveria gerir toda a política de infância e juventude, orientando os jovens que apenas precisam de protecção e também aqueles que realmente praticam crimes. Aliás, o responsável adianta que a maior parte dos jovens que estão referenciados pela Segurança Social acaba por praticar, mais tarde, factos que são considerados crimes: “Cerca de 70% dos jovens que estão [internados] nos centros educativos (Justiça) já estavam referenciados pela promoção e protecção (Segurança Social).”

A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais passaria a ser responsável apenas pelas políticas de serviços prisionais e de reinserção de adultos. com Lusa
 
 
 

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