O poder de travar as leis é sempre polémico

Nunca um Orçamento do Estado foi submetido a fiscalização preventiva.

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A contestação à fiscalização preventiva é antiga Miguel Manso

Uma das expectativas que a aprovação do Orçamento de Estado para 2014 é a de saber se o Presidente da República, Cavaco Silva, vai pedir a fiscalização do TC e se o fará usando o seu poder de requerer a fiscalização preventiva. Um poder que detém antes de promulgar qualquer diploma e que a Constituição estende ao primeiro-ministro e a um quinto dos deputados da Assembleia apenas em relação às leis orgânicas.

O ex-presidente do TC Cardoso da Costa é peremptório a afirmar que é “contra a fiscalização preventiva do OE” e sublinha que “nunca houve” nenhum Orçamento do Estado submetido a fiscalização preventiva. A contestação à fiscalização preventiva é antiga, embora sejam “poucos TC onde não há fiscalização preventiva”, diz Paulo Mota Pinto.

A contestação surge pelo facto de que quando responde a um pedido de “fiscalização preventiva o TC interfere no processo legislativo”, explica o antigo juiz do TC e hoje deputado do PSD. E sublinha que “há sempre uma apreciação política, há sempre um confronto na fiscalização preventiva”. E aponta como exemplo, os casos de Mário Soares com o primeiro-ministro Cavaco Silva. “Já Jorge Sampaio fazia mais pedidos que eram consultas jurídicas.”

Por seu lado, Gomes Canotilho considera que “a fiscalização preventiva é um mal necessário”. Este catedrático da Universidade de Coimbra sublinha que “há proximidade entre o processo político e a análise preventiva de constitucionalidade”. Mas explica que o papel dos TC é precisamente ser o contra peso à maioria política dentro do que é o desenho do Estado de Direito Democrático. E afirma: “O TC é uma instituição contra-maioritária. O problema é assim de saber se deve haver controlo constitucional que se perfile como contra-maioritário à maioria que tem legitimidade constitucional.”

Jorge Miranda, outro constitucionalista, salienta que a fiscalização preventiva “não é uma originalidade portuguesa, há em mais países, é o caso da França, da Irlanda, da Itália, da Costa Rica, da India, de Chipre, de Espanha, da Bulgária, da Roménia, da Polónia, da Finlândia, da Hungria e de Angola”. Jorge Reis Novais, também catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, salienta que nem todos os países têm fiscalização preventiva. “Há em França, mas não na Alemanha.”

Reis Novais sustenta que a “preventiva nunca foi usada em OE anteriores”, porque estes “não tinham violações de direitos, por isso o problema não se colocava”. Perante a necessidade de Cavaco Silva a usar em relação ao OE para 2014 pergunta: “Se o TC disser, mais à frente, que os cortes nos salários são inconstitucionais, o Governo vai repor o dinheiro dos salários? Deixa de haver os cortes?”

A fiscalização preventiva é “o poder máximo e singular do Presidente, se quiser, ele pode, mesmo que haja dúvidas, não pedir”, argumenta Reis Novais, acrescentando que, “mesmo que haja uma lei que se diga que é grosseiramente inconstitucional, o Presidente pode não pedir”. E ironiza: “O Presidente português não é um notário, ele faz opções políticas.”

Por isso é que Reis Novais sustenta que “a fiscalização preventiva sempre foi controversa”, ao chamar o TC a decidir e a participar no debate político antes de haver lei. A pesar dessa situação, o especialista em poderes presidenciais afirma que “os benefícios da preventiva são maiores, tem funcionado bem em Portugal, é um instrumento forte na mão de um Presidente”.

No final é a opção política que dita a decisão. “Cavaco acusava Soares de fazer política [contra os seus governos] com a fiscalização preventiva, como agora usa a favor do Governo.”Já o Presidente Jorge Sampaio, em 2003, não usou a preventiva para mandar para o TC as alterações ao cálculo das pensões, que estavam no OE, e usou a sucessiva porque, embora no OE, “não era uma matéria orçamental e não perturbava a execução do OE”. Mas, quando se trata de matéria orçamental, Reis Novais refere que “perturba e tem perturbado, cada ano que passa mostra que deve ser preventiva, porque a sucessiva interfere com a execução do OE.”

Segundo Reis Novais, “o Presidente não usa a não usa a preventiva “porque não quer criar dificuldades ao Governo” e assume a oposição: “Não aceito argumentos do Presidente. Dizer que nunca ninguém pediu não é argumento. Era mais adequado esclarecer agora. O país nunca fica sem Orçamento. Mesmo que não fique resolvido até Janeiro, o país entra em duodécimos.”

Em defesa da sua tese, Reis Novais argumenta com o que se passou com o Código do Trabalho, que o TC considerou com regras inconstitucionais, há dois meses: “ As empresas protestaram. E questionam-se sobre se agora têm de admitir de novo despedidos?” O Catedrático prossegue: “O Código é de 2012, porque não pediu preventiva quando já se conheciam as dúvidas? Por que quis agradar ao Governo e não usou preventiva? É mau porque não deve apoiar assim o Governo.”
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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