Semibreve: nem o maior, nem o melhor, mas um festival que já ganhou o seu espaço

A música electrónica está em destaque no festival Semibreve, em Braga, que começou sexta-feira com um excelente espectáculo pelos britânicos Raime

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A música dos Raime é austera e obsessiva
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Atrás deles são projectadas imagens de corpos e rostos em decomposição
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Theatro Circo em Braga
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Helm em palco
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Philip Jeck
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Hall do teatro
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Instalação

Há muitos festivais de música em Portugal. Mas diversidade, nem por isso. Na última década existiram várias tentativas de criação de eventos dedicados à música electrónica, na sua vertente mais artística e exploratória, por vezes em estreita ligação com o universo das artes visuais, mas, com a excepção do Madeira Dig – que se realiza na primeira semana de Dezembro –, nenhum teve grande continuidade. O Semibreve, em Braga, pode obter essa consistência.

A terceira edição começou sexta-feira. E os sinais positivos estão lá. Em primeiro lugar, parece ser consciente de si, da realidade que o circunda e do que tenta projectar. Não quer ser o maior, o melhor ou o mais diferente. Está a ser erguido, sem pressas, a partir da base. Realiza-se numa cidade média, sem grandes distracções nesta altura do ano, o que é ideal para criar uma rede de trocas e de relações, entre os profissionais envolvidos e destes com o público anónimo.

Por outro lado, existe a noção de que vivemos numa época em que é necessário inscrever os acontecimentos num mapa cultural transnacional. E num curto espaço de tempo o festival já conseguiu projecção, chamando até si vários parceiros internacionais importantes. Ou seja, sente-se que o festival já integra um circuito.

Claro que tudo isto só solidificará se existir um cartaz à altura. E se ao público interessado inicial for sendo adicionada uma segunda camada de pessoas conquistadas. Uma mais-valia é o local onde se realizam os concertos: o Theatro Circo, que na noite de sexta-feira estava quase cheio para a primeira sessão do acontecimento.

Ambiente informal. Público sentado. Alguns espanhóis vindos da vizinha Galiza. Gente do Porto. Alguns estrangeiros. E o arranque deu-se com uma performance-instalação do artista e compositor britânico Philip Jeck, acompanhado pelo artista Lol Sargent.

Na génese do trabalho de Jeck estão discos antigos e gira-discos recuperados em sucatas que depois transforma. Em Braga apresentaram, em estreia mundial, uma instalação artística visual intitulada Resurrection, num jogo entre imagens e sons, que foi inspirada no 20.º aniversário de Vynil Requiem, talvez a sua obra mais conhecida, construída a partir de 180 velhos discos de vinil, manipulados como se fossem autênticos instrumentos musicais.

Na sala cada um desfruta como quer. Uns concentram-se nas imagens projectadas na enorme tela disposta em palco. Outros preferem fechar os olhos e sentir o som imersivo. E outros ainda tentam decifrar os gestos de um dos intervenientes, colocado a um dos cantos do palco. No fim, no monumental hall do espaço, discute-se o que se viu e as opiniões divergem. Música e dispositivo datado, argumentam uns. Intemporal, dizem outros. Estamos com estes.

Tapeçaria ambiental

De seguida, no auditório mais pequeno, evolui Helm, ou seja, o londrino Luke Younger, que opera a partir de fontes sonoras abstractas. Na sua construção está presente a ideia de viagem. Manipulando diversa parafernália digital, é capaz de criar uma sólida tapeçaria ambiental que tanto evoca paisagens glaciares como zonas pós-industriais inertes, numa mistura de ruído digital, música concreta e sons alucinatórios. Não é música calorosa esta, procurando zonas de desconforto electrónico, mas, paradoxalmente, durante o seu desenvolvimento, fazendo-o com algum envolvimento. Para quem consegue entrar nela, é uma viagem que vale a pena.  

Mas a prestação mais conseguida da noite foi da autoria dos ingleses Raime, uma espécie de banda sonora para estes tempos de desespero e pessimismo. São dois em palco, defronte dos computadores, mas respondendo fisicamente à música, enquanto atrás deles são projectadas imagens de corpos e rostos em decomposição que possuem qualquer coisa de familiar e de estranho em simultâneo.

A sua música é austera e obsessiva, canibalizando elementos de linguagens como o dubsep, techno, dub ou pós-punk, mas fazendo-o a partir das arestas mais industrializadas e opressivas. Quarter Turns Over A Living Line, álbum de estreia lançado o ano passado, já era isso: um manto de impenetrável obscuridade onde os ritmos pareciam não ter ânimo. Mas em palco essa atmosfera irrespirável é ainda mais sublimada. No jogo com as imagens a música afecta e perturba. Não apenas porque é sombria. Mas porque é uma obscuridade real, palpável e vivida pelos corpos. O ano passado diziam ao The Guardian que pretendiam que os seus espectáculos tivessem qualquer coisa de grotesco e belo. Objectivo cumprido.

Neste sábado, o festival prossegue com o português Rafael Toral e com os projectos ingleses Forest Swords e The Haxan Cloak. Domingo haverá o alemão Uwe Schmidt com a identidade Atom TM e a dupla Sculpture, para aquela que se prevê venha a ser a sessão mais lúdica do festival. Para além dos concertos há ainda instalações ou workshops, com destaque para Love Song, uma instalação do artista de som, músico e compositor britânico Janek Schaefer.
 
 

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