Kerry pede aos europeus que não misturem espionagem e negociações comerciais

Secretário de Estado reconhece "preocupações legítimas" dos aliados, mas diz que crise diplomática não deve perturbar negociações para o acordo de livre comércio.

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"Estamos todos juntos nisto”, disse Kerry aos europeus JANEK SKARZYNSKI/AFP

John Kerry é o primeiro membro da Administração americana a visitar a Europa desde que novas revelações engrossaram o escândalo sobre os programas de espionagem e vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA). O secretário de Estado admitiu que o tema é uma fonte de fricção entre os aliados, mas disse esperar que não perturbe as negociações para o acordo de livre comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos.

Numa escala na Polónia, a meio de uma ronda pelo Médio Oriente e Norte de África, Kerry acabou inevitavelmente por ter de responder a perguntas sobre as escutas a governantes aliados e à recolha maciça de dados de cidadãos europeus. “Temos de perceber que estamos todos juntos nisto”, disse o chefe da diplomacia americana, recordando que o terrorismo e a criminalidade internacional obrigam os governos “a ter de encontrar o equilíbrio certo entre a protecção dos cidadãos e obviamente a sua privacidade”.

Kerry, que na semana passada admitiu pela primeira vez que a NSA “foi longe de mais” na intercepção de dados, disse que a revisão das actividades da agência ordenada pelo Presidente Barack Obama visa precisamente encontrar esse equilíbrio e responder às “preocupações legítimas” dos governos europeus. “Se fizermos as coisas bem, e é isso que vai acontecer, não vamos só apaziguar as preocupações como conseguiremos reforçar a relação entre os nossos serviços de informações.”

Mas Washington entende que, por muito dano que os documentos revelados por Edward Snowden tenham feito às relações diplomáticas, o caso não deve afectar as negociações para a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), um projecto para eliminar as barreiras existente e criar um espaço de livre comércio entre as duas maiores economias do mundo. “Essa é uma questão totalmente distinta”, sublinhou Kerry. “Diz respeito aos empregos, à economia, à competitividade económica, num mundo onde as regras de concorrência são por vezes questionáveis e frágeis.”

As negociações sobre aquele que é um projecto antigo dos dois continentes arrancaram no Verão passado e o segundo ciclo de discussões começa na próxima segunda-feira, depois de terem sido suspensas durante a crise orçamental que paralisou a administração federal norte-americana. Mas alguns responsáveis europeus temem que, apesar do interesse comum, as negociações fiquem envenenadas pela actual crise diplomática.

Um sinal disso foi a sugestão, lançada por Berlim, de incluir a protecção de dados entre os temas abrangidos por um futuro acordo comercial. O objectivo seria criar regras para combater a espionagem industrial, mas a sugestão foi vista como um sinal da fúria do Governo alemão com as notícias de que a NSA pôs sob escuta o telefone da chanceler Angela Merkel.

A ideia foi já recusada por Viviane Reding, comissária europeia da Justiça, Direitos e Cidadania. “A perspectiva da Comissão e da posição assumida por todos os líderes do último Conselho Europeu é clara: não devemos misturar as escutas com as negociações em curso”, disse, em entrevista ao Financial Times. Reding, que é também primeira vice-presidente da Comissão, acrescenta que a inclusão de regras de privacidade num futuro acordo “seria como abrir uma caixa de Pandora”, uma vez que as leis de protecção de dados nos EUA são menos rígidas “e a UE não está preparada para baixar os seus padrões”.  
 
 

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