Estudo da Deco revela famílias ansiosas e a viver em “pobreza real”

Respostas mostram famílias sem dinheiro para pagar as contas básicas ou recorrer a tratamentos médicos. Medo do desemprego referido em 30% das respostas.

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A pobreza real afecta cerca de 12% das famílias portuguesas Daniel Rocha (arquivo)

Um estudo realizado pela associação de defesa do consumidor Deco atesta que uma em cada dez famílias inquiridas vive em “pobreza real”, enquanto 25% das respostas apontam para famílias que vivem em estado de ansiedade, devido aos efeitos da crise. Mais de metade dos inquiridos, 54%, confessa que um dos seus “maiores medos” é o de não conseguir atender às necessidades básicas da família.

O inquérito, publicado na edição de Novembro da revista Proteste, revela que 38% das famílias portuguesas que nele participaram chegam ao fim do mês com um saldo negativo de cerca de 300 euros. Para lá das suas possibilidades fica o pagamento da renda da casa, das contas da água e luz, do crédito automóvel ou de tratamentos médicos essenciais. “Num país acossado por um resgate financeiro, incerto sobre o seu futuro, a conviver diariamente com a presença do Fundo Monetário Internacional, a braços com cortes salariais inéditos em décadas e a assistir a uma vaga de emigração persistente, os portugueses acusam os sintomas de uma crise que tarda em abrandar”, sublinha o documento.

Além de Portugal, o estudo foi realizado em Espanha, Itália e Bélgica e visou conhecer os hábitos e as dificuldades das famílias com despesas básicas (prestação da casa, alimentação, cuidados de saúde e educação) e analisar o impacto da conjuntura económico-financeira na qualidade de vida. Os resultados assentam nas 2230 respostas válidas, recebidas em Abril e Maio, ao questionário enviado pelo correio e por email a uma amostra aleatória da população.

Dos países que participaram no estudo, Portugal é o que apresenta os rendimentos mais baixos, com o valor mensal por agregado a situar-se nos 1428 euros, enquanto na Bélgica o rendimento sobe para os 2819 euros.

A pobreza real afecta cerca de 12% das famílias portuguesas, um número três vezes maior do que na Bélgica (4%) e um pouco abaixo do de Espanha (15%).

Em Portugal, um terço das famílias vive com menos de mil euros mensais, enquanto um em cada quatro lares vive com mais de 1750 euros. Os números denunciam um “fosso colossal”: 5% da população mais rica ganha, em média, 12 vezes mais do que os 5% da população mais pobre. Lisboa e Vale do Tejo surge como a região do país onde o rendimento per capita é mais elevado. A pobreza é “mais acentuada” no Norte (15%) e no Alentejo (16%). Quase 70% dos inquiridos disseram que a sua situação financeira “piorou bastante” ao longo do último ano.

Sem dinheiro para férias

O poder de compra baixou e, para a grande maioria das famílias com a “corda na garganta”, a primeira medida é cortar nas despesas com lazer ou entretenimento. “Uma semana de férias fora de casa é uma ideia proibida para quase metade das famílias por ser uma despesa incomportável”, refere o estudo.

O documento revela ainda que desde o início de 2012, num quarto dos lares portugueses inquiridos, pelo menos, um dos seus membros perdeu o emprego. O medo de que o desemprego possa atingir algum membro do agregado é referido por 30% dos que responderam ao inquérito, estando 20% destas famílias a considerar “seriamente” a possibilidade de emigrar.

Uma das consequências de situações financeiras dramáticas é a perda da casa e do carro por impossibilidade de pagamento, mas também o abandono escolar ou o impedimento de prosseguir um curso superior. Por causa das dívidas, há famílias a confrontarem-se com bens confiscados, contas bancárias canceladas e ainda o salário parcialmente penhorado. “Os momentos de maior sufoco financeiro atingem de forma mais aguda as famílias monoparentais, com membros que padecem de doenças crónicas ou deficiência, e os agregados numerosos”, adianta.

Por essa razão, defende a Deco, “as autoridades deveriam dedicar uma atenção redobrada no apoio a estas famílias”.

Segundo a Deco, uma das saídas para a situação de endividamento é a negociação com os bancos. Entre as famílias que o fizeram, 35% conseguiram prolongar o prazo de pagamento. Porém, a solução para 10% dos inquiridos foi a contratação de outro crédito para pagar as dívidas, “caminho que pode agravar as dificuldades económicas do endividado”.

O cenário descrito pelos participantes no estudo também tem consequências emocionais e os portugueses parecem estar cada vez mais ansiosos e com receio do futuro imediato. “As consequências negativas da crise financeira não são apenas materiais, mas também psicológicas e muitas vezes difíceis de combater”, refere o estudo.

Ansiedade, calmantes e suicídio

Segundo o inquérito, quase metade dos portugueses vive em estado de ansiedade, um pouco à semelhança dos espanhóis, 21% apresentam sintomas de depressão e 17% têm problemas de sono.

O uso de calmantes para enfrentar “dias difíceis” tem uma “expressão significativa” em Portugal: no último ano foram utilizados por 33% dos inquiridos, tendo maior expressão nas famílias com menos posses, refere o estudo.

Em casos mais graves, em que a estabilidade foi abalada, por desemprego ou dívidas incomportáveis, “e a vida deixa de fazer sentido”, como verifica o estudo, um em cada dez portugueses chega a pensar no suicídio, como única saída para os seus problemas.

Quase 5% dos inquiridos admitiram ter recorrido ao álcool ou a drogas ilícitas para “esquecer” os problemas financeiros.

A evasão fiscal é uma prática assumida por 14% dos participantes no estudo, enquanto uma minoria admite o envolvimento em outras actividades ilegais.

Questionados sobre os impactos negativos da escassez monetária, 56% dos inquiridos disseram ter “problemas no funcionamento da família” e 23% tiveram de renunciar a cuidados de saúde.

A convite da troika, a Deco apresentou, em Abril de 2011, o panorama das famílias portuguesas sobreendividadas. Desde essa altura, o “cenário complicou-se” e o número de famílias nessa situação aumentou, registando-se mais mil processos em 2012 do que em 2011, ou seja, 5407. Este ano, até ao final de Setembro, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor já recebeu 3053 processos. 
 
 
 

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