Longe da instabilidade de Sofala, Maputo mergulha num outro medo: o dos raptos

Cinco raptos em cinco dias. Três mulheres, um homem de negócios, um estudante da Escola Portuguesa. O escritor Mia Couto denuncia "força sem rosto e sem nome" que faz ruir a credibilidade de Moçambique junto dos outros.

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Alguns dos sequestros aconteceram no centro da capital

A par da instabilidade armada que voltou nos últimos meses e, sobretudo na última semana, à província de Sofala, no centro de Moçambique, uma série de raptos está a atingir famílias mais favorecidas, de várias origens, e a provocar uma onda de medo na capital, Maputo. São crimes por conta de gangs de homens armados de espingardas AK-47. Alguns acontecem à luz do dia. Oficialmente, não são conhecidas as motivações ou qualquer ligação ao conflito latente que opõe os homens da Renamo, principal partido da oposição e antigo movimento guerrilheiro, ao Governo da Frelimo.

A semana passada, com um rapto em média por cada dia útil, fechou, sexta-feira, com o alerta lançado, numa cerimónia pública, por Mia Couto. O escritor falou do “ritmo crescente” dos raptos como de “uma outra guerra civil” a reforçar “um sentimento de desprotecção e desamparo” entre os moçambicanos. O escritor, Prémio Camões em 2013, evocou uma força invisível que faz ruir a confiança do moçambicano em si mesmo e a credibilidade de Moçambique junto dos outros.   

As vítimas dos raptos ou tentativas de extorsão são pessoas de diferentes origens raciais e religiosas, mulheres ou homens com negócios, ou os seus filhos, como mostra o registo feito na newsletter do jornalista britânico Joseph Hanlon em Maputo, a partir do que foi sendo noticiado ao longo da semana passada pela AIM (agência de notícias moçambicana) e o jornal O País. O PÚBLICO não conseguiu confirmar o desfecho de nenhum destes casos.

Na segunda-feira, um homem de negócios foi raptado na Avenida Olof Palme, no centro da cidade. No dia seguinte, uma mulher foi sequestrada à entrada da Escola Portuguesa de Maputo, onde tinha acabado de deixar o seu filho de quatro anos. Quarta-feira, oito da noite: um rapaz, aluno do 12.º ano na Escola Portuguesa, foi levado à frente da sua casa num bairro central da capital. Estava com o seu pai, também um homem de negócios.

E na quinta-feira as vítimas foram duas mulheres, ambas casadas com homens com negócios. Nos dois casos, os raptores estavam armados de espingardas AK-47. A primeira mulher foi cercada por um grupo de cinco homens armados, à saída da fábrica de gelo do marido, às 15h. Segundo uma testemunha, relata a newsletter, “a vítima estava sentada no banco de trás do carro, quando os homens chegaram e dispararam para o ar para a intimidar". Ela recusou sair do carro. O gang disparou mais um tiro de aviso, partiu o vidro do carro e arrastou a mulher para fora do carro à força.

Uma hora depois, no centro da cidade, ao pé da clínica privada Cruz Azul, a segunda mulher era sequestrada.

Mia Couto também recebeu ameaças
No dia seguinte, numa cerimónia pública, Mia Couto quebrava o silêncio: “Este é um fenómeno que atinge uma camada socialmente diferenciada do país, mas o mesmo sentimento de medo percorre hoje, sem excepção, todos os habitantes de Maputo: pobres e ricos, homens e mulheres, velhos e crianças, que são vítimas quotidianas de crimes e assaltos", descreveu o escritor na gala de prémios para os Melhores Moçambicanos organizada pela estação privada STV, onde revelou que ele próprio tinha sido alvo de um tipo de ameaça, num caso também descrito na newsletter sobre actualidade moçambicana.

“As pessoas recebem chamadas telefónicas e é-lhes dito que estão numa lista de visados de raptos, da qual poderão ser tiradas se pagarem. E alguns pagam”, lê-se.

Durante três dias, Mia Couto recebeu ameaças por telefone com o objectivo de lhe extorquirem dinheiro. “Muitos outros também o estão a ser”, escreve Hanlon. São vítimas em silêncio. Mia Couto falou por eles: “Estes que são raptados não são os outros, são moçambicanos como qualquer outro cidadão. De cada vez que um moçambicano é raptado, é Moçambique inteiro que é raptado também".

E acrescentou: “De todas as vezes, há uma parte da nossa casa que deixa de ser nossa e vai ficando nas mãos do crime. Neste confronto com força sem rosto e sem nome todos nós perdemos confiança em nós próprios e Moçambique perde credibilidade junto dos outros.”
 
 
 

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