Ninguém quer receber corpo de antigo oficial nazi

O ex-capitão das SS Erich Priebke morreu na semana passada, aos 100 anos. Ainda não foi encontrado um local para o enterrar.

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Paolo Giachini, o advogado, com Erich Priebke, o criminoso nazi, numa missa em Roma, em 2010 Alessandro Bianchi/Reuters

Erich Priebke viveu 100 anos. Viveu décadas na Argentina, até ter sido preso em 1994, expatriado e condenado, em 1998, a prisão perpétua, pelo seu papel no massacre das catacumbas Ardeatinas (1944), perto de Roma, quando 335 civis italianos foram assassinados numa retaliação pela morte, na véspera, de 33 soldados alemães por combatentes da resistência italiana. Cumpria a pena em prisão domiciliária, criticada por muitos por ser demasiado suave – podia sair para fazer compras ou jantar com amigos.

Mas parece que na morte Priebke está a provocar ainda mais discussão. Até agora, ninguém aceitou receber o seu corpo, que continua numa morgue de Roma, nem autorizou o seu funeral.

A capital italiana diz que está fora de questão que Priebke, que morreu na sexta-feira, seja enterrado na cidade. O Vaticano ordenou mesmo que nenhuma igreja aceite fazer um funeral para Priebke, um católico praticante – foi, aliás, um bispo que lhe deu documentos falsos depois de ele ter conseguido fugir do campo de prisioneiros de guerra em que ficou preso, gerido pelo Reino Unido, no final da Segunda Guerra.

A Argentina, onde viveu décadas sem problemas, também já recusou receber o antigo capitão das SS. Priebke viveu 50 anos naquele país da América do Sul até ter sido descoberto por um jornalista da emissora norte-americana ABC. Trabalhava como professor numa escola.

A Alemanha diz que não há qualquer impedimento a que um cidadão alemão seja enterrado no seu solo – mas as autoridades da cidade natal de Priebke, Hennigsdorf, perto de Berlim, dizem que apenas os residentes podem ser enterrados no cemitério local (ou pessoas que tenham campas de família no cemitério local, o que não é o caso de Priebke – a mulher está enterrada na Argentina).

Até um cemitério onde estão enterrados milhares de soldados alemães mortos na guerra, a sul de Roma, recusou recebê-lo. O presidente da câmara local, Fabio Fucci, diz que este cemitério serve apenas para soldados mortos durante a guerra. “Os criminosos da era nazi são uma marca indelével na história deste país e Pomezia nunca aceitaria nenhum deles”, declarou.

Sem arrependimento
Priebke era o comandante das tropas das SS que executaram 335 pessoas perto de Roma em 1944 e admitiu ter disparado alguns dos tiros. Nunca expressou qualquer arrependimento, repetindo sempre que estava a cumprir ordens. O máximo que disse foi, numa entrevista a uma televisão italiana, que se tratou de uma “tragédia pessoal”.

Esta segunda-feira, o advogado de Priebke, Paolo Giachini, ameaçou fazer um funeral no parque de Villa Borghese “ou na rua, se a Igreja não permitir um funeral”. O advogado, em casa de quem o antigo oficial das SS cumpria a sua pena de prisão, diz que está apenas a lutar pelo direito de um homem, e dos seus familiares, a um funeral segundo a sua religião.

Mas ninguém quer arriscar ter um motivo para que se juntem simpatizantes do regime nazi, depois de alguém ter pintado uma suástica perto da casa onde Priebke viveu os últimos anos. O advogado disse ainda que o antigo oficial nazi tinha deixado um testamento em video, mas não era claro se e quando este iria ser divulgado.

O Centro Simon Wiesenthal, que se dedica a perseguir criminosos nazis, defendeu que o corpo de Priebke deveria ser enviado para a Alemanha, onde as leis locais evitam glorificação do nazismo, e que deveria provavelmente ser cremado.

Em 2011, a Alemanha decidiu exumar as ossadas do antigo nazi Rudolf Hess para evitar peregrinações ao cemitério de Wunsiedel, na Baviera. O seu corpo foi cremado e as cinzas deitadas ao mar. A maior parte dos líderes nazis condenados à morte e executados em Nuremberga foram cremados, e as suas cinzas lançadas num rio na Baviera.
 

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