Corte nas pensões de sobrevivência afectará 25 mil pessoas

Medida só afecta quem receber um total de pensões acima de 2000 euros. Mais de 96% dos beneficiários de pensões de sobrevivência não serão abrangidos.

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Paulo Portas, na declaração em que explicou os cortes nas pensões de sobrevivência Nuno Ferreira Santos
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O mistério foi desvendado neste domingo por Paulo Portas já perto das nove da noite. A partir de Janeiro do próximo ano, quem acumula “duas ou mais pensões de valor superior a 2000 euros” terá, de acordo com os cálculos do PÚBLICO, uma redução na pensão de sobrevivência entre os 10% e os 35%. O vice-primeiro-ministro garantiu contudo que, dos cerca de 800 mil beneficiários de pensões de sobrevivência, “só 3,5%, não mais de 25 mil”, sentirão o impacto. Os restantes ficarão a salvo.

A medida afecta as pensões pagas pelo regime geral da Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) e será incluída no Orçamento do Estado (OE) para 2014, que neste domingo estava a ser finalizado numa reunião extraordinária do Conselho de Ministros. Com estes cortes, o Governo espera poupar 100 milhões de euros, uma gota de água face às necessidades do OE.

Paulo Portas, que interrompeu a reunião para “tranquilizar” os mais idosos, explicou que o valor das várias pensões será somado e, se o total for superior a 2000 euros, a pensão de sobrevivência sofrerá um corte “gradual e moderado”. “Nenhuma pessoa em nenhuma circunstância perde a integralidade da segunda pensão, mesmo que os seus rendimentos sejam daqueles que são verdadeiramente muito altos”, fez questão de frisar durante a conferência de imprensa, onde estiveram também — em silêncio — a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e o ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares.

Fora do apuramento de rendimentos para efeitos de condição de recurso ficarão as pensões “de orfandade, deficiência, dos deficientes das forças armadas, dos antigos combates, pensões de preço de sangue ou de relevantes serviços prestados à pátria”, revelou.

A pensão de sobrevivência é uma prestação paga à família dos subscritores da Segurança Social e da CGA que morreram para a compensar pela perda de rendimentos. Actualmente a prestação corresponde a 60% da pensão a que o subscritor que morreu tinha ou teria direito, no caso da Segurança Social, ou a 50%, no caso dos funcionários públicos, sem haver qualquer tipo de escalonamento.

Cortes por escalões
A partir do próximo ano, quem tiver rendimentos de pensões acima de 2000 euros verá esta percentagem reduzir-se. Mas não será igual para todos. Quem tiver um total de pensões entre 2000 e 2225 euros verá esta percentagem baixar para 54% (Segurança Social) ou 44% (CGA), o que significa um corte na pensão de 10% e 12%. No último escalão, para rendimentos acima de 4000 euros, a pensão corresponderá a 39% ou 33%, consoante se trate da Segurança Social ou da CGA. A redução, face à situação actual, será de 35% e de 34% .

Por exemplo, uma pessoa que acumula uma pensão de velhice de 1500 euros com uma pensão de sobrevivência de 600 euros, num total de 2100 euros, verá esta segunda pensão cair para 540 euros. Ou seja, terá um corte de 10%.

Paulo Portas não esclareceu se o apuramento do valor total das pensões terá em conta os valores ilíquidos ou se a soma será feita com base no valor líquidos das várias pensões recebidas. DE todasas formas, os cortes que têm sido aplicados até aqui operam sempre sobre o valor ilíquido.

Estes cortes vão somar-se à contribuição extraordinária de solidariedade (CES) que este ano está a ser aplicada às pensões de velhice e de sobrevivência acima de 1350 euros. e que deverá manter-se no próximo ano. No caso dos funcionários públicos há ainda um terceiro corte na calha, por via do diploma que faz a convergência entre a CGA e o regime geral da Segurança Social.

Sobre estas situações, Paulo Portas não prestou qualquer esclarecimento, tendo preferido sublinhar que “num país onde as pensões médias são o que são, num país onde a pobreza é o que é, num país onde o próprio salário médio tem o valor que tem, uma condição de recursos que opera a partir dos dois mil euros é manifestamente feita por critérios de justiça social”.

Mais mudanças em 2014
O vice de Pedro Passo Coelho apontou o dedo aos que, na última semana, “criticaram” o Governo, acusando-os de quererem “assustar e alarmar os idosos, como se o Governo não tivesse noção da especial situação dos idosos”.

“Isto é muito mais justo, muito mais humanista e muito mais razoável do que aquilo que fizeram aqueles que agora nos criticaram e que retiraram não uma parcela, mas a totalidade do abono de família a quem tinha 600 euros para viver”, argumentou, numa referência ao Partido Socialista, que em 2011 alterou as condições de atribuição do abono de família.

O vice-primeiro-ministro reconheceu que o assunto é delicado, uma vez que se está a tocar em pensões do regime contributivo (parte dos descontos efectuados para a Segurança Social e para a CGA destinam-se a esta prestação).  Contudo, deixou a ideia de que o Governo escolheu o caminho mais moderado para resolver o défice entre os descontos efectuados e as pensões pagas. “Há um problema que não pode ser escamoteado, entre Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social, o Estado paga 2700 milhões de euros por ano [em pensões de sobrevivência]. Os descontos que recebe não ultrapassam o valor de 1500 milhões de euros."

A solução encontrada, como Portas fez questão de sublinhar, é “muitíssimo moderada”, pois o Governo afastou outras soluções menos justas, como aumentar os descontos (a chamada Taxa Social Única) ou cortar essas pensões.

O regime voltará a sofrer alterações no próximo ano, afectando também quem acumula uma pensão de sobrevivência com rendimentos do trabalho ou de capital e que está a salvo dos cortes agora anunciados.

O Governo vai procurar uma forma de avaliar os rendimentos dos que acumulam pensão de sobrevivência com “salário ou rendimentos de capital”. Se os rendimentos totais forem “muito altos”, “não faria sentido que não houvesse também um impacto para estas pessoas”, adiantou Paulo Portas.

Para as pensões ainda não atribuídas, o Governo procurará ainda “fazer um regime de convergência de algumas regras, que também são diferentes entre a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações”.

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