Passos na RTP sob protesto do PCP e do Bloco

Comunistas organizam manifestação contra ida do primeiro-ministro à televisão pública e bloquistas falam em "precedente perigoso"

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Passos Coelho é entrevistado nesta quarta-feira Miguel Manso

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, responde esta quarta-feira na RTP às perguntas de 20 cidadãos sob protesto do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda.

Os comunistas organizam um protesto à porta dos estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, onde decorrerá o programa O País Pergunta.

“A RTP, como estação de serviço público, tem obrigações de pluralismo e de isenção que não são cumpridas. Devia zelar pela diversidade de posições políticas”, disse Vasco Cardoso, do comité central do PCP, em declarações à Lusa.

O Bloco de Esquerda manifesta uma preocupação idêntica. “[O programa] abre um precedente perigoso, uma vez que a vida política não se esgota nos partidos do Bloco Central e a RTP tem obrigações de serviço público a respeitar”, disse ao PÚBLICO fonte do BE, aludindo ao convite dirigido pela televisão pública ao secretário-geral do Partido Socialista, António José Seguro.

O programa inspira-se no modelo norte-americano dos Town Hall Meetings, já várias vezes utilizados em debates televisivos nas eleições presidenciais nos Estados Unidos ou no Brasil, em que os candidatos respondem directamente a perguntas de espectadores em estúdio.

Passos Coelho estará em estúdio perante uma audiência de cem pessoas, entre as quais as 20 que foram escolhidas por duas agências de estudos de mercado para questionar o primeiro-ministro. A moderação será do jornalista Carlos Daniel.

“As pessoas foram escolhidas segundo critérios de género, idade e representatividade regional, embora não tenhamos a ambição de ter o rigor científico de uma sondagem”, disse ao PÚBLICO o director de informação da RTP, Paulo Ferreira. O jornalista adiantou que “as pessoas tiveram um briefing na RTP: "Nós conhecemos as perguntas, ou pelo menos os temas que procuram abordar, mas não os divulgaremos.”

Carlos Daniel “reforçará as perguntas que não forem respondidas pelo primeiro-ministro e fará perguntas nos dez a 15 minutos finais da emissão”, acrescentou.

Paulo Ferreira negou que o programa seja transmitido a partir dos estúdios da Valentim de Carvalho, em vez das instalações da RTP, por razões de segurança. “Entre Junho e Setembro, o estúdio da RTP estava livre para este formato por os programas da manhã e da tarde estarem a ser realizados fora. Agora, com o Portugal no Coração e o Praça da Alegria de volta, deixámos de ter um estúdio disponível e tivemos que ir fazê-lo fora.”

À terceira foi de vez
A entrevista ao primeiro-ministro esteve para se realizar antes do Verão, mas foi adiada para Setembro, altura em que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) deu provimento às queixas do PCP e do PS, que alegavam que a entrevista a Passos Coelho antes das eleições autárquicas violava o princípio da igualdade.

Na sequência do parecer da CNE, o primeiro-ministro decidiu não participar no programa.

A CNE referiu na altura que “um programa de entrevistas com responsáveis políticos, com o formato anunciado pela RTP, apenas pode ter lugar fora dos períodos eleitorais”.

Na altura, a RTP decidiu "contestar juridicamente a decisão da CNE por considerar que esta não faz sentido e não está fundamentada em termos legais nem formais”.

Mas será fora do período eleitoral que o programa terá lugar. Paulo Ferreira justifica a oportunidade com o momento especial com o país está a viver. “A entrevista vai decorrer entre a conclusão das avaliações da troika e a apresentação do Orçamento do Estado. Estamos a viver momentos únicos, devido à crise, à austeridade e à troika, em que é importante ouvir o que as pessoas têm a dizer.”

O jornalista disse que ainda não está definida a data em que António José Seguro participará no programa, mas afirmou que este não se destina a ouvir apenas o chefe do Governo ou o líder da oposição. “O importante é testar o modelo e, depois, replicá-lo”, afirmou, referindo que devido aos custos e à dificuldade de seleccionar as pessoas para fazer as perguntas “este não é um programa que se faça todas as semanas”. Um dos contextos em que o formato poderá vir a ser utilizado é o dos debates eleitorais, disse ao PÚBLICO.

E os privados?
Os operadores privados, SIC e TVI, não excluem recorrer a formatos semelhantes, mas colocam reservas, relativamente aos custos, à qualidade do painel e à questão da moderação jornalística.

“Este modelo foi usado quando Durão Barroso foi primeiro-ministro, quando eu estava na RTP”, disse ao PÚBLICO o director de informação da TVI, José Alberto Carvalho.

“A qualidade da amostra é fundamental”, disse o jornalista, para quem, neste tipo de formatos, “os políticos conseguem sempre fazer passar a mensagem": "O programa depende muito da réplica e o papel do jornalista é fundamental. E não substitui a moderação jornalística.”

António José Teixeira, director da SIC Notícias, nota também que “a organização destes programas é muito cara” e que a selecção dos intervenientes “é um busílis”. E interroga-se sobre se “os jornalistas devem ceder o seu lugar no questionamento dos políticos”.
 
 

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