Resultados eleitorais que não temos!

É recorrente o tipo de comentários que ouvimos após a divulgação dos resultados eleitorais.

Os mais curiosos são os discursos de vitória, não dos que tiveram mais votos - que esses seriam normais - mas dos outros, dos que tiveram mais que o esperado, ou mais que nas eleições anteriores, ou simplesmente dos que consideram ter perdido menos que os outros. Outras considerações sobre os resultados versam sobre a abstenção, pois cerca de metade dos eleitores não vota. Mas será que é apenas desinteresse ou desconfiança na classe política, como por regra é apontado? Penso que não, há coisas simples que poderiam ser feitas se quiséssemos que as eleições fossem efectivamente uma participação activa da população sobre os destinos do País. A minha principal dúvida é saber porque é que as eleições são feitas de modo a darem tanto azo a este tipo de interpretações. Só pode ser porque interessa a muitos.

O mais curioso da abstenção é que ninguém saberá quanto é de facto. “As pessoas não votam como sinal de protesto contra a classe política” ou “isto é um grande sinal que estes eleitores não se vêem representados em nenhum dos candidatos”. Até acredito que seja, mas então aqueles que estão fora de casa, porque vivem numa cidade ou país diferente, porque não trataram do cartão de cidadão na nova morada, esses não contam?

Dizem responsáveis que tanto a Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI) como os próprios Ministérios da Justiça e da Administração Interna têm feito um grande esforço para evitar os chamados eleitores-fantasmas. Quem está de fora percebe mal este esforço, vivemos num País onde se usam cartões de cidadão com “chips”. Qual a dificuldade de resolver este problema? Todos especulamos sobre o número de mortos que figuram nas listas de supostos eleitores. Em 2011, aquando das eleições presidenciais, este problema foi novamente levantado porque os dados oficiais apontavam 9.485.604 pessoas recenseadas para votar e o resultado do Censos 2011 apurava 8.657.240, isto é, uma diferença de 828.364 eleitores. Isto não é naturalmente um pormenor de franja, estamos a falar de cerca de 10% dos supostos eleitores.

Custa-me a crer que o financiamento das autarquias, que é feito por transferências do Orçamento do Estado em função do número de eleitores de cada concelho consiga ser determinante para que se demore tanto a anular ou minimizar o número dos tais eleitores- fantasmas mas, de facto, não se percebe bem como não se resolve o problema. Alguém entende, por exemplo, que numa era digital como aquela em que vivemos, num País em que se utiliza um cartão de cidadão que nos custa uma fortuna, ainda exista quem receba em casa uma carta com o número de eleitor de um familiar já falecido?

O Director-geral de Administração Interna fala em fiabilidade das listas de eleitores mas é o primeiro a reconhecer alguns problemas por resolver, nomeadamente em relação à inscrição de emigrantes. Fundamentalmente não fazem para mim qualquer sentido a quantidade de interpretações, especialmente políticas, quanto à abstenção quando sabemos que uma boa parte do problema é explicada por este tipo de coisas.

Ainda sobre a abstenção, no mundo tecnológico de hoje, em que diariamente se fazem biliões de euros de transacções automáticas com tanta segurança, como não se consegue colocar à disposição dos eleitores um meio de voto electrónico? Já nem seria inédito e já existe software mais que testado para este tipo de coisas. Muitas das sociedades anónimas públicas já permitem a participação nas assembleias gerais por voto electrónico. Como é que um país não o consegue? A explicação só pode ser uma: porque não existe interesse sério em facilitar o voto dos eleitores. As eleições têm que se fazer, todos sabemos que custam uma fortuna... Não seria relevante torná-las mais acessíveis?

Uma outra questão muito debatida em torno dos resultados eleitorais são as variadas vitórias e derrotas que os comentadores políticos conseguem formular. “Nós tivemos uma grande vitória porque aumentamos o número de câmaras”, “os partidos do governo tiveram uma grande derrota porque perderam câmaras importantes”, “nós perdemos as câmaras que tínhamos porque o povo quis dar um sinal claro que estava contra as políticas deste governo”. Haja paciência, num sistema eleitoral como o nosso, só se aceitam este tipo de comentários porque, tradicionalmente, os ouvimos em cada eleição.

Compreendo que o sistema eleitoral que insistimos usar se preste a algumas especulações quanto a resultados. Tudo funciona razoavelmente quando se vota para o Presidente da República, em que um candidato ficar em segundo ou em último tem as mesmas consequências, isto é, não interessa a ordem em que os candidatos ficam, só estamos a escolher quem queremos que fique em primeiro. Mas nas autárquicas e nas legislativas? Pois aqui interessa a ordenação porque vários partidos ou grupos vão eleger pessoas conforme a votação que tiverem. Mas então se interessa a ordenação dos vários candidatos porque é que cada voto não representa uma escolha nessa ordenação?

Há outros sistemas análogos mas o matemático francês Jean-Charles Borda propôs em 1770 o que veio a chamar-se contagem de Borda, segundo a qual cada eleitor atribuía uma pontuação em razão da sua preferência: 0 para quem acharmos que deve ficar em ultimo, 1 para o penúltimo, 2 para o antepenúltimo e por aí fora. No final os pontos são somados e temos uma lista ordenada em que cada um dos eleitores votou em todos os candidatos. Um método (posicional) idêntico é, desde que me lembro, usado nos festivais da canção. Será que é por ser usado nestas coisas que alguém acha que não deve ser usado em coisas mais sérias? É que para mim é evidente que se a ordenação é relevante cada um deve ser chamado a votar em todos os candidatos.

Ainda nestas eleições mais recentes, a direita ou a esquerda, em muitas câmaras, entende que o resultado foi mau porque existiam vários candidatos de cor política idêntica. Alguns casos evidentes se passaram em câmaras onde um “dissidente” de um partido concorria como independente. É evidente que se estamos apenas a votar para o primeiro este tipo de situações se presta a interpretações erradas. Se votássemos em todos os candidatos, atribuindo uma pontuação distinta, haveriam poucas dúvidas que o resultado final equivalia efectivamente à vontade dos eleitores.

Reconheço que, pelo menos em termos teóricos, qualquer sistema eleitoral permite ordenar um conjunto de candidatos através de sistemas democráticos; mas a que propósito utilizamos quase o mesmo quando queremos escolher apenas um, como no caso das eleições presidenciais, e quando pretendemos ordenar os diferentes candidatos ou partidos? Há procedimentos eleitorais de apreciação absoluta e de apreciação relativa. Naturalmente que nos interessa estes últimos quando temos como objectivo ordenar os candidatos através da comparação entre eles. Não há dúvida que diferentes procedimentos podem conduzir a resultados diferentes, por isso o que está em causa é escolher o mais adequado para o tipo de eleição que se pretende.

Os procedimentos de apreciação relativa dividem-se em dois tipos: métodos maioritários e métodos posicionais e estes últimos deveriam ser os que são usados quando se pretende valorizar a opinião que cada eleitor tem sobre todos os candidatos. Mas se assim é, a que propósito usamos métodos maioritários para todas as eleições? A explicação académica, e política, é que nas eleições politicas se torna muito difícil que cada eleitor ordene todos os candidatos. Francamente, sem qualquer preocupação científica, acho este argumento uma treta. É o mesmo que dizer que os eleitores só conhecem o seu preferido, talvez por não terem capacidade para mais. 'Contenta-te em escolher o primeiro, que o resto é muita areia!' Mais a sério, nenhum método maioritário, seja o do voto plural, que é o que mais usamos utilizando o método d’Hont, seja o anti-plural, em que os eleitores rejeitam o que menos gostam, o voto maioritário a duas voltas, que é o que usamos nas presidenciais, o método Run-off, em que há várias voltas em que os candidatos vão sendo eliminados, ou o método de Condorcet, em que se vão comparando os candidatos aos pares, nenhum destes, é melhor que qualquer método posicional quando se pretende que os eleitores exprimam a sua opinião sobre todos os candidatos.

Seria normal que o procedimento eleitoral fosse um conjunto de regras que permitisse determinar a ordenação final dos candidatos da forma mais adequada possível. Não é o que temos e, na minha opinião, pela pior razão - por uma questão estratégica. O método que usamos privilegia os maiores partidos e prejudica os pequenos/minoritários. Não é preciso nenhum desenho para perceber porque é que os maiores beneficiários não alteram o procedimento para um mais adequado. Claro que os eleitores também podem optar por votos estratégicos, seja qual for o procedimento usado - são os chamados votos úteis. O que me intriga é porque é que não se altera este processo de forma a minimizar o efeito destas estratégias?

O procedimento que usamos para eleições presidenciais também não é isento de críticas. Temos a prova disso com os resultados de 1986, quando Freitas do Amaral esteve perto da maioria absoluta na primeira volta e Mário Soares foi eleito na segunda volta. Pode-se dizer que Mário Soares foi um justo vencedor, já que o mesmo resultado teria sido obtido pela maioria dos possíveis procedimentos eleitorais, excepção, claro, se fosse usado o voto plural. Mas o que aconteceria se 5% dos eleitores que preferiam Freitas do Amaral tivessem votado Salgado Zenha na primeira volta? Pois com algumas contas chegamos à conclusão que Freitas do Amaral teria ganho a Salgado Zenha na segunda volta com 52%. Este exemplo prova que um sistema com duas ou mais voltas, em que os eleitores tenham a possibilidade de mudar de opinião entre as votações, é facilmente manipulável, exactamente aquilo que não gostaríamos que acontecesse numas eleições.

Em resumo, muitos dos discursos de vitórias e derrotas que ouvimos no rescaldo de todas as eleições não passam de meras especulações. Crie-se um sistema electrónico de votação que facilite o exercício de voto a qualquer um e que diminua a abstenção, escolha-se um procedimento adequado para cada eleição. No final os resultados serão o que são, isto é, correspondem à vontade dos eleitores. Pode ser que nada mude mas teremos dado um passo importante na maturidade da nossa democracia.

Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito

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