O que fará Merkel com a sua vitória?

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1.Numa coisa a chanceler tinha razão e devemos estar-lhe agradecidos: a sua espectacular votação, somada a uma ligeira recuperação do SPD, afastou um cenário de esvaziamento dos grandes partidos europeus e de crescimento das forças mais antieuropeias. Em 2009, os dois partidos registaram, somados, menos de 60 por cento dos votos, com ganhos significativos para o Die Link, ainda que também para os liberais e para os Verdes. Neste domingo, CDU/CSU e SPD voltaram a aproximar-se dos 70 por cento. A parte de leão coube à chanceler, plebiscitada pelos alemães com uma votação que a aproxima daquelas que Adenauer e Kohl conseguiram. Se se confirmar que a “Alternativa para a Alemanha”, o partido antieuropeu que emergiu nos últimos meses para tentar tirar proveito da crise do euro, não entra no Bundestag, então a chanceler cumpriu uma das suas missões: impedir que um partido nacionalista nascesse à sua direita.

Mesmo que consiga a maioria absoluta, Merkel não deverá governar sozinha. A Alemanha será provavelmente governada por uma “grande coligação”. O sistema político alemão foi desenhado no pós-guerra para que nenhum partido exerça sozinho o poder. Além disso, como ontem referia uma análise da Reuter, uma aliança com o SPD pode “protegê-la” do seu próprio partido que é, em muitos aspectos, bastante mais conservador do que ela.

2. Na maioria das capitais europeias, a “grande coligação” era o cenário mais desejado. Dito isto, não vale a pena alimentar ilusões sobre o que pode mudar na estratégia alemã para resolver a crise europeia. Se houver uma “grande coligação”, ela será bastante diferente da que Merkel formou para o seu primeiro mandato. Em 2005, a diferença de votos entre a CDU/CSU e o SPD foi mínima (1 por cento). A margem de manobra de Merkel era estreita e as negociações corresponderam a uma repartição de poder muito equilibrada. Desta vez, a chanceler fez-se coroar “rainha” da Alemanha. O SPD ainda não conseguiu ultrapassar uma votação medíocre (26 por cento), que regista desde que Schroeder decidiu que a Alemanha tinha de fazer profundas reformas para se tornar competitiva, que colidiam com as regalias dos trabalhadores (a histórica base de apoio do SPD) e com a generosidade do Estados social. A sua “Agenda 2010”, que está na base da transformação da Alemanha de “homem doente da Europa” numa economia altamente competitiva, ainda não foi perdoada.

Desta vez a margem da vitória da chanceler é muito grande e a provável negociação será feita numa posição de força. Além disso, não há diferenças enormes entre a chanceler e o SPD. É verdade que os sociais-democratas foram críticos da política de austeridade e mais austeridade aplicada aos países do Sul. Mas o que defendem não é uma mudança de estratégia, apenas algum alívio na aplicação da austeridade. O SPD mostrou alguma solidariedade com a situação dramática em que se encontram países como Portugal e a Grécia. Peer Steinbruck, o candidato a chanceler, chegou a defender um Plano Marshall II para esses países. Os seus dirigentes visitaram frequentemente o Palácio do Eliseu mostrando alguma simpatia pela insistência francesa na importância do crescimento. Quando Merkel teve dificuldade em fazer aprovar as suas decisões europeias no Bundestag, graças à “dissidência” do seu próprio partido ou às posições mais duras dos liberais, foram eles que as sustentaram. Na Alemanha houve sempre um grande consenso em torno da Europa. Não vai quebrar-se. É bom ter presente que hoje, na Europa, as diferenças políticas sobre o caminho a seguir para salvar o euro são mais entre o Norte e o Sul que entre direita e esquerda. Apenas num aspecto o SPD pode fazer alguma diferença. Vai insistir em que chegou o momento de partilhar a força da economia alemã mais irmãmente, aumentando o poder de compra dos alemães, prestando atenção à desigualdade crescente, estabelecendo um salário mínimo e propondo um programa de investimentos nas infra-estruturas hoje muito degradadas. Merkel não estará muito longe disso. Se a chanceler considerar que tem margem de manobra, então uma política económica mais expansionista pode ajudar realmente a Europa.

3. O que fará, então, Merkel com esta vitória? Ninguém espera uma revolução. Mas espera-se alguma coisa. “Nos meios governamentais de Berlim espera-se que, depois das eleições, seja possível recomeçar a negociar com Paris um grande compromisso” sobre o futuro da Europa, escreve Chales Grant, director do Centre for European Reform de Londres. Uma carta assinada por Merkel e Hollande antes das eleições já indicava alguns avanços nesse sentido: um orçamento para a zona euro; o segundo pilar da união bancária (um mecanismo de resolução europeu em relação ao qual Berlim ainda está relutante), um presidente permanente para o Eurogrupo, centrando nele, e não na Comissão, o governo da UEM. E alguma forma de mutualizaçã da dívida para tirar do desastre países como Portugal e a Grécia.

Merkel tem de novo o futuro da Europa nas mãos. Será este o grande desafio do seu terceiro mandato. Neste domingo, nem tudo correu mal na Alemanha. Pode ser que comece a correr melhor para a Europa.
 
 
 
 
 
 

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