Os drones também podem ser arqueólogos voadores

A tecnologia desenvolvida para fins militares está a ser usada na agricultura e na arqueologia. No Peru os drones são considerados uma ferramenta essencial à defesa do património.

Luis Jaime Castillo com um dos seus drones
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Luis Jaime Castillo com um dos seus drones Mariana Bazo/Reuters
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Os drones são muito leves e podem chegar a custar apenas 750 euros Mariana Bazo/Reuters
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A sacerdotiza estava rodeada de placas de cobre Mariana Bazo/Reuters
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A câmara funerária em forma de L tinha também outros corpos e nichos repletos de cerâmica Mariana Bazo/Reuters
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Alguns dos drones são telecomandados e outros podem voar autonomamente graças a programas informáticos Mariana Bazo/Reuters
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No túmulo da governante mochica havia mais sete corpos, "todos sacrificados" Mariana Bazo/Reuters

Os drones não servem apenas fins militares. De utilização polémica na luta dos Estados Unidos contra o terrorismo, esta tecnologia está agora a ser testada na agricultura e na arqueologia peruanas. Se nos campos servem para avaliar o crescimento de um cereal, por exemplo, nos Andes podem fazer uma análise cartográfica em pouco minutos.

Luis Jaime Castillo dirige as escavações nas ruínas da civilização mochica (séculos I ao VII), conhecida pelas suas cidades de barro, em San Ildefonso e San José de Moro. Para além de outros colegas, o arqueólogo conta com uma equipa de quatro drones no seu trabalho de investigação. Com as fotografias que cada um deles tira, Castillo pode identificar os muros e as praças, ficando com uma ideia mais aproximada de como seria o traçado da cidade, explica à agência AFP. Além disso, os dados topográficos que recolhem também permitem aos especialistas conceber modelos tridimensionais dos sítios arqueológicos – informação preciosa quando as pilhagens ou a erosão fazem com que se degradem rapidamente. O que os arqueólogos demoravam por vezes meses e anos a fazer pode levar agora apenas alguns dias ou semanas.

Os drones estão equipados com um microcomputador, um GPS, uma bússola e um altímetro, deslocando-se depressa e sem dificuldades graças à utilização do Google Maps, diz à AFP Andres Flores, o engenheiro que dirige o grupo de investigação de aviões sem piloto da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP), que tem vindo a desenvolver drones para usos civis. Alguns são telecomandados, mas outros trabalham autonomamente, podendo voar entre 40 a 60 minutos e percorrer até 50 km.

Na agricultura, por exemplo, estes aparelhos que, de longe, se assemelham simplesmente aos usados no aeromodelismo, estão a ser desenvolvidos para acompanhar a evolução das culturas, avaliando o estado das plantas e a velocidade de crescimento. “São aparelhos pequenos, equipados com câmaras de alta precisão e passam quase despercebidos no céu”, garante Flores.

Na arqueologia peruana, esta tecnologia pode ser agora determinante na protecção de centenas e centenas de sítios, muitos deles ameaçados por saqueadores de túmulos e pela exploração mineira e imobiliária, segundo a Reuters.

A rapidez na altura de fazer os levantamentos topográficos e o mapeamento do terreno é de levar em conta, sobretudo depois de situações como a de Julho, quando uma empresa de construção de Lima arrasou uma pirâmide que terá sido construída há 5000 anos, de acordo com os arqueólogos que agora estudam a possibilidade de a reerguer. No mesmo mês, os habitantes de uma pequena cidade nas proximidades da ruína pré-inca de Yanamarca denunciaram mineiros amadores que causaram danos a uma estrutura em pedra com três andares quando procuravam quartzo.

Basta que os drones criem um arquivo digital dos milhares de sítios arqueológicos espalhados pelo Peru para que já estejam a ajudar a protegê-los, defendeu à Reuters Ana Maria Hoyle, arqueóloga que trabalha para o Ministério da Cultura de Lima. “Vemo-los como uma ferramenta vital à conservação”, acrescentou.

Cemitério de sacerdotisas
Luis Jaime Castillo, que também é investigador da universidade católica de Lima, usa drones há já dois anos em San Jose de Moro, um sítio que diz ser um cemitério de elite por ali terem sido descobertos vários túmulos de sacerdotisas que sugerem que a civilização mochica ou moche era governada por mulheres. O último – e oitavo – a ser identificado em duas décadas de trabalhos tem 1200 anos, noticiou a AFP em Julho.

A câmara funerária é em L e estava coberta com placas de bronze em forma de ondas e aves marinhas, tendo as paredes pintadas com motivos a amarelo e vermelho. Junto ao corpo da mulher havia uma máscara e outras oferendas. No túmulo, para além de nichos repletos de peças de cerâmica de vários tamanhos e feitios, há ainda mais sete corpos –dois deles de bebés e três de crianças – “todos sacrificados”, garante Castillo.

“Sempre quisemos ter uma visão de pássaro daquilo em que estávamos a trabalhar”, diz o arqueólogo. Para isso, foram usando métodos mais caros e com resultados mais incertos, como prender máquinas fotográficas e câmaras a pequenos balões de hélio. Hoje, garante Jeffrey Quilter, arqueólogo da Universidade de Harvard que já trabalhou em vários sítios no Peru, pode construir um drone por 750 euros: “É como ter um bisturi em vez de um pau – é possível controlá-lo com grande precisão”, diz Quilter. “Pode subir a três metros e fotografar um quarto, a 300 e fotografar o sítio, ou pode ir até aos 3000 e fotografar o vale inteiro.” É como se os arqueólogos pudessem voar sobre as ruínas para filmar e fazer medições.

Para a grande maioria do público, o Peru arqueológico começa e acaba em Machu Picchu, as espectaculares ruínas do século XV que são património mundial. Mas para os especialistas há muitos mais motivos de interesse no passado pré-hispânico do país, como o império Wari que, lembra a Reuters, conquistou os Andes muito antes dos Incas. Há muito por onde escolher – são 13 mil os sítios arqueológicos espalhados por todo o território, muitos deles em lugares de difícil acesso e, por isso, de difícil controlo.

Os arqueólogos não têm dúvidas de que, em, breve, poderão acelerar os trabalhos em campo com a ajuda sistemática de drones, mas pedem ao governo que intervenha para criar um enquadramento legal. No país não há diploma algum que regule a actividade destes aparelhos com fins civis e, sobretudo em áreas urbanas, a sua utilização pode levar a queixas de violação da privacidade.

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