Chefe do Governo de Espanha nega culpa no "caso Bárcenas" e não se demite

No Parlamento, Rajoy admitiu que o PP pagou complementos de salários. Recebeu-os? Disse que declarou tudo o que ganhou nos impostos. Socialistas mantêm moção de censura.

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Rajoy no Parlamento: “Não sou culpado, não me demito, não convoco eleições” Susana Vera/Reuters

O presidente do Governo espanhol admitiu ontem no Parlamento que o Partido Popular fez pagamentos complementares a membros com determinados cargos. Mariano Rajoy não negou tê-los recebido, também não confirmou. Mas disse que no seu caso não houve ilegalidade, porque declarou todos os rendimentos às finanças.

“Fizeram-se pagamentos? Sim. Pagaram-se remunerações complementares em virtude dos cargos? Sim. Pagaram-se verbas por gastos inerentes ao desempenho dos cargos? Também, como em todo o lado. É justo. Pagou-se por um trabalho, pagou-se e incluiu-se o pagamento na contabilidade. Declarar os rendimentos privados às finanças é uma responsabilidade individual. No que me diz respeito, asseguro-vos que sempre declarei todos os meus rendimentos. As minhas declarações de rendimentos e de património dos últimos dez anos estão à vista de todo o mundo. E parece-me que têm mais valor do que o que está escrito à toa num papel amachucado.”

Disse-o assim de seguida, ligando pagamentos complementares à declaração de impostos — a Lei das Incompatibilidades espanhola, que proíbe pessoas com cargos públicos de receberem outras remunerações, públicas ou privadas, tem lacunas e só existe crime punível, se houver fuga aos impostos.

O papel amachucado que Rajoy mencionou são os documentos entregues à Justiça pelo antigo tesoureiro do PP, Luis Bárcenas, que está preso e sob investigação. Em causa está a contabilidade paralela dos populares — de onde saíram os pagamentos complementares —, alimentada por doações ilegais de empresas que beneficiavam de contratos dados por autarcas do PP.

Em Fevereiro, quando o caso foi divulgado pelos jornais espanhóis, Rajoy — que consta das folhas de pagamentos quando era ministro da Administração Pública, garantiu: “Nunca recebi nem distribuí dinheiro sujo. Nem neste partido, nem em nenhum sítio. É falso.”

Perante a divulgação dos documentos, a publicação de mensagens trocadas com Bárcenas e as declarações do tesoureiro à Justiça, o PP reagiu com silêncio. E a pressão da oposição, que exigia explicações, só teve eco quando os socialistas falaram em moção de censura — que só aconteceu duas vezes na história democrática de Espanha.

Rajoy falou finalmente, mas para manter a versão oficial: nem o PP nem a sua pessoa têm quaisquer responsabilidades nas ilegalidades do “delinquente” Bárcenas; não há dinheiro sujo no partido; existe um só culpado, o ex-tesoureiro.

Pedir perdão
O que fez de novo, então, Mariano Rajoy? Pediu perdão por ter confiado numa pessoa que, explicou, o iludiu. “Enganei-me ao manter a confiança em alguém que não o merecia”, disse no discurso inicial, que foi politicamente bem construído mas que esqueceu um dado essencial: a seguir, Rajoy teria de responder a perguntas que iriam desmontar os seus argumentos.

“Não basta dizer que se equivocou e depois não assumir a responsabilidade demitindo-se. Não basta dizer que agora sabe que Bárcenas não merecia a sua confiança, depois de anos de trabalho conjunto e de decisões compartilhadas”, opinou no jornal espanhol Publico Luis Garcia Montero.

A estratégia de Rajoy foi excluir-se e ao PP do esquema Bárcenas. Não pôde. O líder socialista, Alfredo Rubalcalba, que foi o primeiro a falar depois de Rajoy, disse-lho: já sabia que o antigo tesoureiro tinha contas milionárias na Suíça, contas de dinheiro sujo, e continuava a mandar-lhe mensagens de apoio e a pedir-lhe: “Aguenta, Luis.” “Só por isso devia deixar a presidência esta mesma tarde”, disse Rubalcalba.

“Você tem de negar a contabilidade paralela, porque é daí que vem o seu dinheiro extra”, disse Rubalcaba. Comentou: “Este caso é exactamente o que parece.” Na mesma linha, Rosa Díez, da União Progresso e Democracia (liberal), resumiu: “O caso Bárcenas é o caso Rajoy.”

“O que pedem é que me declare culpado. Não me pedem explicações”. (...) Você têm a sua versão e a minha não vale nada. Não me vou declarar culpado porque não sou”, disse a Rubalcalba — o El País notou que Rajoy pareceu estar sempre e só em diálogo com o socialista.

O que está em causa, disse este, é a existência de uma contabilidade paralela e ilegal no PP, que continua a ser negada, e a existência de pagamentos ilegais a governantes.

Rubalcalba: "Demita-se!"

Rajoy: “Não me demito e não convocarei eleições.”

Pressionado, Mariano Rajoy quis ter um momento de sinceridade possível, mas a atitude não chega, disseram os analistas do El País. A credibilidade de Mariano Rajoy parece, hoje, irrecuperável e é apontada como causa do declínio profundo do PP nas sondagens de popularidade.

Rubalcalba — que deixou claro que o objectivo socialista não é derrubar o Governo, disse que o PP tem gente para substituir Rajoy na chefia do Governo — confirmou que a moção de censura permanece nos planos socialistas, mesmo sabendo que será chumbada pela maioria popular.

Para já, o Parlamento vai de férias. Mas os juízes não e a investigação prossegue. Setembro será um mês difícil, disseram os jornalistas espanhóis, porque os problemas de Rajoy — que muitos viram gastar ontem a última gota de credibilidade — e dos populares não desapareceram e podem aumentar consideravelmente.

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