Audição de Viegas sobre caso Crivelli transforma-se numa batalha jurídica

Oposição acusa ex-secretário de Estado de deixar a ideologia sobrepor-se à lei e Partido Comunista fala mesmo num "acto à margem da lei".

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Viegas no Parlamento Daniel Rocha

“Tomei a minha decisão dentro da legalidade”, disse esta terça-feira na Assembleia da República o ex-secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, que pediu ao Governo para ser ouvido na Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre o polémico “caso Crivelli”, relativo à autorização de saída de Portugal e venda no estrangeiro da pintura protegida Virgem com o Menino e Santos, do conhecido empresário Miguel Pais do Amaral.

Na comissão, que se tornou rapidamente numa batalha jurídica, Viegas citou uma sequência de artigos da Lei 107/2001, conhecida como Lei de Bases do Património, que entendeu justificarem a decisão que tomou em 2012. Contudo, a partir da mesma lei, apenas citando artigos diferentes, a oposição em peso apontou os motivos porque entende que essa decisão não tem qualquer enquadramento legal – os mesmos motivos por que está agora em revogação pelo sucessor de Viegas no também Governo de Passo Coelho.

Entre outros, Viegas citou o ponto 1 do artigo 55º que diz que só são considerados bens móveis integrantes do património cultural português aqueles que “constituam obra de autor português ou sejam atribuídos a autor português, hajam sido criados ou produzidos em território nacional, provenham do desmembramento de bens imóveis aí situados, tenham sido encomendados ou distribuídos por entidades nacionais ou hajam sido propriedade sua, representem ou testemunhem vivências ou factos nacionais relevantes a que tenham sido agregados elementos naturais da realidade cultural portuguesa, se encontrem em território português há mais de 50 anos ou que, por motivo diferente dos referidos, apresentem especial interesse para o estudo e compreensão da civilização e cultura portuguesas”. Viegas não citou, contudo, o ponto 2 do mesmo artigo, onde se esclarece que se consideram ainda bens do património nacional “aqueles que, não sendo de origem ou de autoria portuguesa, se encontrem em território nacional e se conformem com o disposto no n.º1 do artigo 14.º”. Este último artigo diz que são todos aqueles “que representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura”. É este o caso da pintura de Pais do Amaral, segundo vários especialistas em pintura e património a que o gabinete do próprio Viegas pediu pareceres em 2011 e cujos pedidos de permanência da obra em Portugal acabaram por ser ignorados.

Em resposta a questões de Miguel Tiago, do Partido Comunista, Viegas acabou por afirmar o seu posicionamento ideológico: “Há aqui também uma questão ideológica óbvia e que eu não escondo”, disse, referindo-se ao entendimento de muitos membros do PSD e CDS sobre a forma como a protecção do património não deve sobrepor-se ao direito à propriedade privada. Segundo a oposição, contudo, o que esteve em causa na decisão de Viegas foi “um acto à margem da lei”: “A lei diz que podia ter impedido a saída. A sua perspectiva ideológica corresponde a um posicionamento legítimo. Já governar contra o que a lei estabelece é abusivo”, disse Miguel Tiago.

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