Um Presidente moderador e árbitro

Ao longo dos últimos dois anos, o Presidente esteve ora totalmente alinhado com o Governo, ora ausente nos momentos mais difíceis que o país tem atravessado. Ontem Cavaco Silva abandonou essa postura. E foi, tal como o nosso passado democrático aconselha, um verdadeiro moderador e árbitro.

Foi árbitro quando explicou porque é que não era favorável à realização de eleições. Economicamente Portugal não se pode dar ao luxo neste momento de ficar sem governo por largos meses, ou de adiar o Orçamento do Estado. Existem compromissos de pagamentos de dívidas que poderiam ficar inviabilizados, se houvesse eleições agora. Os movimentos dos mercados da última semana provaram isso à saciedade. Mas não são apenas económicos os motivos pelos quais não deve haver eleições: do ponto de vista político o PS e a esquerda não apresentam soluções de governabilidade. Até aqui o Governo deveria estar a esfregar as mãos de contente pensando que, apesar das piruetas de irresponsabilidade extrema recente dos seus membros, poderia contar com o apoio incondicional de Cavaco Silva como nos últimos dois anos. Mas não.

Cavaco não faz isso. Pelo contrário, passou a este Governo uma certidão de óbito, isto é, prometeu a realização de eleições em Junho de 2014, logo após a saída da troika do país. Assim, e justamente, Cavaco fragiliza um governo que não merece a confiança inequívoca dos portugueses. Este Governo está em funções porque agora não pode haver eleições. Mas não tem carta branca. Tem é uma obrigação para com o país de não piorar ainda mais o contexto extremamente difícil em que nos encontramos.

É aí que vemos Cavaco Silva assumir uma posição de verdadeiro moderador. A promessa de eleições serve (e muito) ao PS e faz parte de um acordo que o Presidente quer que os partidos promovam e que inclui mais dois pontos: deve envolver o PSD-CDS e o PS com vista a que Portugal possa regressar aos mercados em 2014. E deverá tratar-se de um acordo de médio prazo para que o governo que resulte das próximas eleições tenha apoio desses três partidos. Ao fazer esta moderação, Cavaco aponta pois um caminho político que convoca os partidos que apoiaram o programa da troika a forjarem um consenso fundamental para sair da crise. É claro que este compromisso político só pode ser concretizado em função de objectivos económicos mais reconciliáveis com a nossa realidade, tarefa nada fácil. O PS pode e deve ter um papel fundamental nesse caminho, até às eleições legislativas do próximo ano.

Marina Costa Lobo é politóloga

marinacosta.lobo@gmail.com
 

Sugerir correcção
Comentar