Erdogan avisa manifestantes turcos: “a paciência tem limites”

Primeiro-ministro fez seis comícios no domingo e compara estado actual da Turquia com tentativa de golpe pelas forças armadas em 2007.

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O primeiro-ministro turco no domingo Osman Orsa/Reuters

O primeiro-ministro turco avisou os manifestantes que tomaram as ruas da Turquia a pedir a sua demissão, de que a sua paciência tem limites. Tayyip Erdogan comparou ainda os protestos com a tentativa levada a cabo, há seis anos, pelas forças armadas para restringir o seu poder. Em Ancara, na capital da Turquia, a polícia utilizou gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes contra o Governo numa das praças da capital turca, a poucos quilómetros onde Erdogan falou.

O primeiro-ministro fez seis comícios durante o domingo, aproveitando para medir as tensões naquela região, depois de uma semana onde se viveram as maiores manifestações e revoltas da última década. Milhares de pessoas brandiram a bandeira vermelha da Turquia e gritaram Allahu Akbar (Deus é grande) enquanto Erdogan acusou os manifestantes de atacar as mulheres que usam lenços na cabeça e de profanar as mesquitas ao atirarem garrafas de cervejas contra as suas paredes. “Eu acredito em Erdogan e no seu caminho. Não vamos deixar que saqueadores nos roubem o nosso país e a nossa bandeira”, sentenciou uma dona de casa que disse que se chamava Zeynep, e que segurava uma bandeira nacional com uma fotografia estampada do primeiro-ministro.

No centro de Istambul, dezenas de milhares de pessoas inundaram a Praça Taksim, onde os protestos começaram há nove dias quando a polícia utilizou gás lacrimogéneo e canhões de água contra os manifestantes que se mostraram contra um plano de construção para o parque Gezi. Muitos vêem a tradição secular da Turquia posta em causa por Erdogan. Os manifestantes, muitos acampados com tendas no local, controlam agora uma larga região à volta da praça, com barricadas improvisadas nas ruas feitas de pedras da calçada e barras de aço. A polícia retirou-se completamente da área.

Semana turbulenta para os mercados
Os países ocidentais têm utilizado a Turquia de Erdogan como um exemplo de uma democracia Islâmica que poderia ser replicada pelo Médio Oriente. Mas as acções violentas da polícia foram criticadas pelo Ocidente. Erdogan tem aumentado as acusações de que os países estrangeiros estão a tentar agravar os problemas. O primeiro-ministro turco ameaçou ainda os especuladores financeiros nacionais e estrangeiros, que estão nos mercados de capitais da Turquia, prometendo “sufocar” aqueles que estão a enriquecer graças “ao suor do povo”. E pediu aos turcos para porem o seu dinheiro nos bancos estatais e não nos privados.

“Aqueles que tentam afundar a bolsa, vocês vão colapsar… Se os apanharmos a fazerem especulação financeira, vamos sufocá-los. Não interessa quem sejam, vamos sufoca-los”, disse o primeiro-ministro. Os mercados financeiros da Turquia viveram uma semana turbulenta e os investidores estão a preparar-se para mais uma semana de volatilidade. Sexta-feira, ao início do dia, a lira bateu o seu valor mais baixo em relação ao euro e ao dólar, desde Outubro de 2011. Enquanto isso, o principal índice de acções de Istambul perdeu cerca de 15% em apenas uma semana.

"Um grande país, um grande poder"
Nos últimos dias já morreram três pessoas e 5000 ficaram feridas, os tumultos estão a fazer tremer a Turquia que já tinha de lidar com a guerra na Síria, que faz fronteira a sul. “Temos sido pacientes, vamos ser pacientes, mas há um fim para a paciência, e aqueles que fazem política escondendo-se atrás de manifestantes devem primeiro aprender o que significa fazer política”, disse Erdogan, num dos seus discursos mais palavrosos e fortes desde que o início dos protestos.

O primeiro-ministro não especificou quem eram “aqueles que se escondiam atrás dos manifestantes”. Mas uma das suas vitórias de que se orgulha mais é a luta que tem mantido contra o pensamento conservador e secularista estabelecido na sociedade turca, especialmente nas forças armadas que derrubaram quatro governos em quatro décadas. Erdogan, que é criticado por se ter tornado autoritário depois de três eleições ganhas de uma assentada, comparou os problemas com o confronto que teve com os militares. “Hoje, estamos exactamente onde estávamos a 27 de Abril de 2007”, disse.

Nessa data, as forças armadas publicaram um memorando no seu site denunciando os planos de ser apontado para presidente o político Abdullah Gul, co-fundador do Partido da Justiça e do Desenvolvimento juntamente com Erdogan. Esse salto daria ao partido um controlo generalizado do aparato estatal. Os generais sugeriram que poderiam agir em defesa do secularismo para parar o plano.

Esperava-se que o Governo de Edorgan se submetesse às vontades das forças armadas, como outros o fizeram. Mas o primeiro-ministro enfrentou os militares, reprendendo-os publicamente pelo acto e apontou publicamente Abdullah Gul para candidato ao cargo, que depois se tornou o Presidente da Turquia até hoje. Foi um momento definidor das relações com as forças armadas, muitos dos seus generais foram posteriormente presos depois de uma investigação sobre um alegado golpe contra Erdogan.

O caso desencadeou vários protestos na Turquia e provocou a desordem pública, ao que se seguiram assassínios e atentados que abririam o caminho para uma intervenção militar. Para o primeiro-ministro, esta raiva continua presente. “Meus queridos irmãos, estamos a caminhar para uma Turquia melhor. Não permitam que aqueles que tentam plantar as sementes para nos dividir o façam”, disse noutro discurso em Adana, uma cidade do Sul da Turquia, do cimo de um autocarro com o slogan do partido: “Um grande país, um grande poder”.

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