Mulher de El Salvador já fez cesariana e bebé morreu passadas cinco horas

Médicos induziram parto a Beatriz, que continua internada nos cuidados intensivos devido às complicações da sua doença crónica. Bebé que não tinha parte do encéfalo morreu ao fim de pouco tempo, como era previsto.

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Imagem de uma manifestação de apoio no México Henry Romero/Reuters

Ao fim de uma batalha judicial de quase dois meses, Beatriz conseguiu que os médicos de El Salvador tivessem finalmente autorização para lhe induzir o parto. O bebé, com cerca de 26 semanas de gestação, acabou por morrer cinco horas depois da cesariana. Este era, aliás, o desfecho que os clínicos previam, já que o feto tinha um problema no sistema nervoso, não tendo parte do encéfalo, pelo que morreria sempre após o parto mesmo que a gravidez tivesse ido até ao fim.

O El País adianta na sua edição online que a equipa de médicos fez uma cesariana a Beatriz depois de detectar que a mulher estava a ter contracções e que o seu estado de saúde estava a agravar-se. “Estou muito cansada. Está-me a cair imenso cabelo e custa-me a respirar”, disse pouco antes da intervenção. Fontes hospitalares avançaram que Beatriz continua internada nos cuidados intensivos e que a menina anencéfala de que estava grávida morreu ao fim de cinco horas.

Contudo, a família de Beatriz teme as consequências do arrastar do processo. “Estamos muito mal. Deixaram passar demasiado tempo e tenho medo do que a minha filha possa estar a sofrer”, disse Delmy Cortés, citada pelo El País. Já o El Mundo, citando a fundadora salvadorenha das organizações Mulheres Dignas e A Casa de Todas, Morena Herrera, escreve que Beatriz afirmou que estava bem mas que lhe deu pena ver a menina. Mas Herrera adiantou que a mulher perdeu muito sangue na cesariana e que ainda é prematuro fazer avaliações, lamentando que se tenha deixado avançar tanto a situação.

Mãe em risco de vida
Beatriz tem uma doença auto-imune chamada lúpus que lhe estava a trazer mais problemas na gravidez, nomeadamente insuficiência renal. Sofria ainda de pré-eclampsia, uma doença que pode surgir durante a gravidez ou logo após o parto e que se caracteriza por hipertensão, retenção de líquidos e ainda um excesso de proteínas eliminadas pela urina. Estava internada há quase dois meses no hospital e como em El Salvador o aborto é proibido em qualquer circunstância, a mulher fez um pedido junto do Supremo Tribunal do país para poder interromper a gravidez, visto que estava grávida de um feto inviável e, ao mesmo tempo, corria risco de vida devido à sua doença crónica.

Logo no início da polémica, Luís Graça, director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte) e também presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, tinha explicado ao PÚBLICO que “um feto anencéfalo é incompatível com a vida, visto que não tem sistema nervoso, e mesmo que sobreviva dentro da barriga da mãe por estar a ser alimentado pelo cordão umbilical, se não morrer no parto, morrerá nos primeiros minutos ou horas de vida”.

Pressões internacionais surtiram efeito
Mas o tribunal negou-lhe o pedido, justificando que “os direitos da mãe não prevalecem” nunca sobre os da criança e que a Constituição salvadorenha entende “a pessoa humana desde o momento da concepção” – o que foi aplaudido pelos movimentos conservadores no país. Mas a onda de solidariedade e os apelos internacionais foram mais fortes e na semana passada o Governo de El Salvador já tinha dito que com o tempo de gestação de Beatriz que se deixava de falar em aborto e sim em parto induzido, pelo que os médicos estavam autorizados a intervir.

A ministra da Saúde daquele país decidiu assumir uma posição e autorizar publicamente os médicos a induzirem o parto a este mulher de 22 anos que já tinha também um filho com um ano e meio, justificando que o próprio tribunal dizia que os clínicos deviam tomar os procedimentos certos para proteger a vida da mãe e que era nessa posição que se iam agarrar. “Vamos preservar a vida desta mulher seja de que forma for”, prometeu na quinta-feira María Isabel Rodríguez ao diário espanhol El País.

“Analisámos a decisão do Constitucional e acreditamos que nos dá a capacidade de actuar sem contrariar a Constituição. O tribunal reconhece que se devem fazer todos os possíveis para salvar a vida de Beatriz e determina que se ponham todos os cuidados e meios disponíveis para isso”, justificou a ministra. E acrescentou: “Isso significa que deixa totalmente nas mãos das autoridades de saúde e eu, como autoridade máxima de saúde, avaliada a actuação dos médicos, considero que caso seja necessário interromper a gravidez isso não seria um aborto mas sim um parto induzido”.

El Salvador é um dos cinco países da América Latina, a par com a Nicarágua, a Honduras, a República Dominicana e o Chile, a proibir o aborto em qualquer situação, isto apesar de até à década de 1990 ter mantido uma excepção para casos com motivos clínicos. Neste momento a moldura penal do aborto pode ir até aos 50 anos de prisão para as mulheres e até 12 anos para os médicos que o realizem.

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