Tribunal de Contas pede julgamento de caso “de pagamentos indevidos” na Madeira

Juiz da secção regional volta a atacar Varela Martins, que já tinha recusado acusar membros do Governo regional noutro processo. Procurador deixará a Madeira em Julho.

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Ventura Garcês (segundo à direita) é um dos governantes que o Tribunal de Contas quer ver julgados DR

O juiz da secção regional da Madeira do Tribunal de Contas (TC) enviou para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) o chamado caso dos “pagamentos indevidos” a uma empresa privada. João Aveiro Pereira não se conforma com a decisão do procurador Varela Martins, que decidiu não enviar o caso para julgamento.

Num despacho publicado na quarta-feira em Diário da República, João Aveiro Pereira recusa arquivar os autos e remete o caso para o DCIAP, sediado em Lisboa, considerando que a matéria apurada pelo auditoria do Tribunal de Contas “poderá, eventualmente, relevar para efeitos criminais.”

Esta decisão surge depois de uma auditoria do Tribunal de Contas ter concluído “a existência de pagamentos indevidos no montante de 1,3 milhões de euros” à empresa Centro Internacional de Inteligência Conectiva.

A auditoria foi enviada para o procurador-geral adjunto junto da secção regional TC na Madeira, Varela Martins, “que decidiu não requerer o procedimento jurisdicional alegando falta de indícios e de culpa e apontando algumas insuficiências à auditoria e ao respectivo relatório”, diz o despacho agora publicado.

A decisão do Ministério Público é, mais uma vez, arrasada por João Aveiro Pereira. À semelhança do que aconteceu quando Varela Martins não acusou membros do governo regional no caso da omissão de dívidas na Saúde e Desporto, o juiz conselheiro voltou a proferir acusações violentas contra o representante do Ministério Público, considerando que “parece muito preocupado com a protecção dos direitos dos visados”, mas “despreza e viola ostensivamente os supremos princípios do Estado de direito democrático, da igualdade perante a lei e a justiça, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, prossecução do interesse público ou bem comum e o da defesa dos interesses do Estado pelo MP”.

“Forçoso é, pois, concluir que não foi com base no exame da prova que resulta da auditoria que o magistrado do MP se absteve de requerer procedimento jurisdicional. Não foi por os factos não estarem devidamente descritos, tanto nos seus elementos objectivos como subjectivos, ou por esses factos, tal como descritos no relatório, não consubstanciarem as infracções que foram apontadas”, acusa João Aveiro Pereira, para quem “existem nos autos fortes e abundantes indícios de infracção financeira por pagamentos indevidos.”

Escrevendo que tem o direito de manifestar a sua “firme discordância em relação à forma leve e estranha como o MP se abstém de requerer julgamento de responsabilidades financeiras, fortemente indiciadas, contra os governantes regionais da Madeira”, o juiz conselheiro queixa-se ainda da forma como o sistema judiciário está organizado: “Mas o que é verdadeiramente espantoso, numa sociedade democrática e desenvolvida, na segunda década do terceiro milénio, é o facto de uma só pessoa, um agente do MP, sem qualquer heterocontrolo ou heteroavaliação, poder impedir o Tribunal de Contas de fazer Justiça, bastando-lhe proceder a uma apreciação superficial da matéria de facto coligida, analisada, avaliada e aprovada por toda uma equipa especializada e interdisciplinar de recursos humanos do mesmo Tribunal.”

Este despacho segue-se à decisão do MP de não requerer julgamento do secretário regional do Plano e Finanças, Ventura Garcês, e dos ex-secretários do Plano e Coordenação, Paulo Fontes, e da Educação e Cultura, Francisco Fernandes, no caso do Centro Internacional de Inteligência Conectiva. Na auditoria ao financiamento a este centro, o TC concluiu que a despesa pública, de 3,9 milhões de euros, foi onerosa para as contas regionais e ineficaz para a criação de uma região piloto no domínio da Sociedade da Informação.

Esta auditoria teve na sua origem o acordo de pagamento entre a Madeira e o BCP de 1,9 milhões de euros, acordo que surgiu de uma carta de conforto "sem previsão legal", emitida pela região para "garantir uma operação de crédito" realizada pelo centro junto do banco. Neste âmbito, a região fez pagamentos "indevidos" de 1,3 milhões de euros.

Varela Martins apresentou a demissão após um primeiro despacho de João Aveiro Pereira a criticá-lo duramente por não acusar membros do governo regional madeirense, num outro caso, relacionado com omissão de dívidas nas áreas da Saúde e do Desporto.

Em declarações ao PÚBLICO, no início do mês, o magistrado revelou que pediu dispensa de funções: “É a primeira vez em 33 anos de serviço que vejo um juiz fiscalizar o Ministério Público", reagiu Varela Martins, queixando-se do tratamento recebido no Funchal: “[A Madeira] foi o sítio em que mais mal recebido fui em toda a minha vida profissional”, disse, acrescentado: “Cheguei à Madeira conotado com o PS, saio conotado com o PSD".

Varela Martins deverá deixar a Madeira em Julho, altura em que deverá ser colocado noutro posto.
 

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