O que ainda falta saber?

Vamos aos factos.

Nas últimas duas semanas realizaram-se várias reuniões do Conselho de Ministros para apurar as medidas a levar a cabo para poupar/cortar 4800 milhões de euros até final de 2015 nas despesas do Estado.

Ao longo das reuniões, os órgãos de comunicação social e alguns comentadores do universo social-democrata, com destaque para Marcelo Rebelo de Sousa, foram relatando várias desavenças sobre as medidas entre o CDS e o número um (Passos) e o número dois (Gaspar) do Governo. Aliados aos centristas surgiam também ministros do PSD.

Estas desavenças nunca foram desmentidas.

Na passada sexta-feira, o primeiro-ministro apresenta-se aos portugueses às 20 horas para dar conta das medidas supostamente acordadas.

A primeira frase do seu discurso é a seguinte: “Na sequência dos acontecimentos das últimas semanas é meu dever falar-vos para transmitir as decisões do Governo.”

O Governo é de coligação e inclui o PSD e o CDS-PP (é normal que hoje haja quem já não o recorde).

Durante o seu discurso, entre as muitas medidas de poupança/corte nas despesas do Estado e que afectam em especial os funcionários públicos, Passos anuncia: “Precisamos de equacionar a aplicação de uma contribuição de sustentabilidade sobre as pensões atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações e pela Segurança Social, com a garantia de salvaguarda das pensões de valor mais baixo”.

Fala em “minimizar tanto quanto for possível esta contribuição”, associando-a “ao andamento” da economia “para que haja uma relação automática entre, por um lado, o crescimento económico e, por outro, a redução gradual e progressiva dessa mesma contribuição”.

“Quanto mais longe for a reforma do Estado, mais conseguiremos reduzir esta contribuição. Infelizmente, o facto incontornável de os salários e as transferências sociais, incluindo as pensões, constituírem quase 70% das despesas do Estado, força-nos a incidir nestas rubricas porque todas as restantes são comparativamente menos importantes quando se trata de reduzir despesa”, acrescenta Passos.

Ainda o discurso estava quente e já havia notícias de tensão entre o PSD e o CDS sobre algumas das medidas apresentadas. O CDS anunciava que Paulo Portas iria fazer uma declaração no domingo.

No sábado, questionado pelos jornalistas sobre as divisões entre os dois partidos do Governo, o primeiro-ministro tinha uma resposta pronta: as medidas que anunciou decorreram do “empenho pessoal” e do “talento” de Paulo Portas.

Domingo à tarde, antes da intervenção de Portas, a TSF, citando fontes do Governo, noticia que os novos cortes nas pensões iam cair. Ninguém desmentiu.

Pouco depois das 19h, Portas intervém. Está de acordo com todas as medidas menos uma. A tal “contribuição de sustentabilidade sobre as pensões”. Lembrou que alguns lhe chamavam a “TSU [Taxa Social Única] dos pensionistas, falou num “cisma grisalho” e acrescentou: “Num país em que grande parte da pobreza está nos mais velhos e em que há avós a ajudar os filhos e a cuidar dos netos, o primeiro-ministro sabe e creio que é a fronteira que não posso deixar passar.”

Afinal, as “decisões do Governo” não eram de todo o Governo.

Nesta segunda e terça-feiras surgiram vários ministros do PSD dizer que o Governo estava unido.

Nesta terça-feira, como se a confusão já fosse pequena, o novo secretário-geral da UGT, após um encontro matinal com o primeiro-ministro, revela que Passos Coelho lhe tinha dito que a taxa ia cair e que seria substituída por outras medidas compensatórias que seriam apresentadas pelo CDS.

À boleia das palavras de Carlos Silva, o CDS chamou os jornalistas para lhes dizer que achava positivo que a taxa sobre os reformados não fosse em frente. João Almeida, o habitual “caceteiro” centrista em algumas medidas dos ministros do PSD, diz mesmo que a medida já está em discussão com a troika.

Sobre a unidade no Governo e medidas alternativas nem uma palavra. Diz apenas que já há uma proposta alternativa com uma folga superior ao fixado.

Pouco depois, após uma reunião com António José Seguro, surge de novo em palco o secretário-geral da UGT. Desta vez para dizer que o primeiro-ministro não lhe tinha dito o que ele disse que ele lhe tinha dito. Afinal foi ele que inferiu.

O CDS não veio alterar o seu discurso.

Ao fim da tarde surge Jorge Moreira da Silva, primeiro vice-presidente do PSD. Afirma que o PSD “está solidário com a opção do Governo” (leia-se medidas apresentadas por Passos). Diz, sem se rir, que o discurso de Paulo Portas é “normal e legítimo”, já que nos Governos de coligação é natural haver “alguma diferenciação” quando “não se coloca em causa as decisões do Governo”.

Acrescentou mesmo que as palavras de Portas eram desejáveis e que a taxa nas pensões era, como tinha dito Passos, “substituível” por outras medidas de redução na despesa. Poiares Maduro, ministro-Adjunto e com o pelouro da coordenação política, já o tinha dito nessa manhã numa entrevista ao Diário Económico.

Resta lembrar que a Comissão de Acompanhamento da Coligação, criada em Setembro por PSD e CDS quando os partidos entram em confronto por causa da TSU, não deu sinal de vida.

Depois de tudo isto, das duas uma. Ou o Governo está como aqueles casais que, já divorciados, continuam a viver na mesma casa fazendo a vida negra um outro até que percebem que o melhor é ir cada um à sua vida. Ou, por outro lado, tudo isto não passa de uma encenação política montada pelos dois líderes por qualquer razão para já desconhecida, mas feita à custa dos cidadãos de um país cada vez mais pobre, desempregado e miserável.

E há vários elementos que permitem concluir que a estratégia pode ter sido esta. Desta vez, ao contrário da crise da TSU, não existiram críticas do PSD depois de Portas ter falado. Até houve elogios. E há uma expressão no discurso de Passos na sexta-feira que, só depois de se ouvir o discurso de Portas, se percebe o alcance: “ Precisamos de equacionar a aplicação de uma contribuição de sustentabilidade sobre as pensões”. Ou seja, a medida é apenas para “equacionar”. Portanto, e ao contrário de todas as outras, pode cair. É esse, aliás, o discurso do PSD agora.

Posto isto fica a dúvida: por que é que Passos Coelho avança com uma medida tão controversa quando já sabe que não a pode aplicar? O que é que Passos ganha ao deixar que Paulo Portas apareça na opinião pública como o vencedor da batalha da sensibilidade social e o salvador dos pensionistas? O que é que ainda falta saber?

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