Dois anos e dez dias depois

Ter mais sete anos para “pagar a dívida” não é uma boa notícia como nos querem fazer crer. É péssima. Significa prolongar o roubo de que o povo e o país têm sido vitimas, condenando-nos a mais sete anos de juros agiotas, num valor que cálculos hoje divulgados apontavam para um total de mais 6,3 mil milhões de euros. Só em juros, Portugal entregará à banca, nos próximos 20 anos, 68,8 mil milhões de euros em vez dos 62,4 mil milhões previstos.

Para se ter noção do que significam tantos mil milhões, consideremos apenas o que iremos pagar de juros em 2013: mais de 7330 milhões de euros – praticamente sete vezes mais do que “custam” os quatro artigos que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais.

Sobre este escândalo, Passos Coelho não foi à televisão, não fez chantagem, não dramatizou. Pelo contrário: faz o seu ar compungido, diz que estamos nas mãos dos credores e do mercado, impõe o controlo unipessoal das despesas do Estado e ameaça com mais cortes em cima de cortes.

Num país que vive uma crise económica, social e política como a que Portugal atravessa, dobrar a receita da austeridade para pagar mais juros à banca nacional e internacional terá consequências dramáticas. A continuar assim, Portugal empobrecerá a olhos vistos e nem sequer terá condições para pagar a dívida que hoje tem.

A 5 de Abril de 2011, há exactamente dois anos e dez dias, o PCP apresentou ao povo português e ao então Governo do PS uma proposta para iniciar o processo de imediata renegociação da dívida pública e de desenvolvimento da produção nacional. No dia seguinte, o Governo do PS escolheu aliar-se ao PSD e ao CDS para chamar a troika estrangeira, com os resultados que todos conhecemos.

Mas a necessidade mantém-se. Renegociar a dívida que tem de passar por:

– uma renegociação imediata da dívida pública com os credores do Estado português, nos seus prazos, juros e montantes, começando por um levantamento rigoroso da dívida legítima e ilegítima, do que se deve, a quem e porquê, que seja compatível com o crescimento económico, indexando o serviço da dívida a uma percentagem das exportações anuais;

– uma ofensiva diplomática e negocial junto de outros países que enfrentam problemas similares, de forma a construir com eles uma barreira à espiral especulativa, revendo os estatutos e os objectivos do Banco Central Europeu, substituindo os PEC por medidas de crescimento económico, criação de emprego e valorização dos salários;

– uma diversificação das fontes de financiamento, no plano nacional e internacional;

– o reequilíbrio das contas públicas – reavaliação de todas as PPP, regresso à administração pública de competências entregues a privados (consultadorias, entidades reguladoras, etc.), fim das missões das forças armadas no estrangeiro, aplicação de uma taxa efectiva de pelo menos 25% de IRC ao sector financeiro;

– o aumento da produção nacional, produzindo cada vez mais para dever cada vez menos.

Dois anos e dez dias depois, é cada vez mais óbvio para cada vez mais gente que não há outra solução. O garrote que as troikas impõem ao povo e ao país é insustentável. É preciso outro caminho, de crescimento económico, progresso e justiça social.

É claro que não é este Governo que está em condições de trilhar este caminho. Nem o PS, que censura cá dentro mas escreve cartas a jurar vassalagem à troika estrangeira.

Dizem-nos que os credores têm muita força. E têm. Mas os devedores também. Os especuladores e o grande capital têm medo da unidade, da força e da luta dos povos. É preciso que o povo português use toda a sua unidade, força e luta para demitir este Governo, convocar eleições e garantir uma política patriótica e de esquerda e um Governo que a concretize, defendendo os interesses nacionais. Começando por renegociar a dívida.

Margarida Botelho é membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

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